sábado, 11 de outubro de 2008

"Vocelência dá-me lume?"



Final de Julho. Encerrámos em grande estilo a tournée 2007/08. Férias! Weeeeeeeeeee… Dar descanso às saias, arejar os sapatos. Fazer inventário de ganchos e elásticos. Repor stock de meias, gel, eyeliner, e essas coisas fundamentais ao Flamenco…

Não podíamos estar mais enganadas!!! Fomos desafiadas a ir bailar a Alcochete, num bar. Recebíamos cachet. Estamos a fazer um pé-de-meia para renovar os modelitos. O Flamenco é uma paixão extravagante…

Irrecusável o desafio! Nunca tínhamos bailado num bar. Disponíveis apenas três pessoas: eu, a Fiona e a Sónia - a Professora!

O contacto surgiu através da Fiona, foi a Fiona que tratou de tudo. Assim funcionam Las Araquerar! Tudo combinado com o dono do Bar. Dia 2 de Agosto, três apresentações, duas músicas de cada vez, a começar por volta das onze da noite e a terminar pela uma da manhã. Vestir e maquilhar? No bar não havia condições, seria numa casa próxima.

Fomos no meu carro, ou como diz o meu mano, no meu chaço! Carrito piqueno… Terá o seu papel nesta história. Siga!… Pela A12, para Alcochete!

Chegámos. O Bar, um espaço agradável… O tablao… Ao ar livre, rodeado de palmeiras, iluminado por archotes, um estrado de madeira, não muito maior que aquelas paletes de madeira das cervejas… Pensámos, nós vamos cair!!! Ainda bem que só viemos três… Mal cabemos…

A Sónia apreensiva… Eu e a Fiona, mortas de riso… Fomos deixar as coisas no espaço onde nos vestiríamos para o espectáculo. Tivemos de ir de carro. O local era próximo do bar mas impossível fazer como planeado: mudar de roupa entre cada apresentação… O que fazer? Experiente na arte dos improvisos, a Sónia tinha a solução: fazemos como nos casamentos ciganos!!! Mudamos de roupa no carro!!! Enquanto uma se veste, as outras tapam com toalhas! Siga!!! Olé!

Voltámos ao bar. Sentámo-nos na esplanada. Era cedo. Comer, beber uma jolita para descontrair. Jantar por conta da casa. Conversámos. Confidências. Pela primeira vez, falámos abertamente da vida afectiva de cada uma… Uma cigana, uma paya velha e uma paya nova…

Eram horas… Fomos para o local que faria as vezes de camarim. Estava quase. O nervosinho no estômago a começar… Uma casa toda catita, nova, ainda por habitar… Ocupámos o espaço, espalhámos as roupas, os lápis dos olhos, o rímel, e as outras coisas todas que não sei o nome…

O nervosinho aumentava, estava na hora do disparate. A Sónia, desesperada, a tentar transformar duas ovelhas negras em duas gueishas flamencas. Impossível naquele dia! Só ríamos! Completamente esborratadas, eu e a Fiona, a trocarmos “mimos”. E a rir, a rir… A Sónia suspirava e abanava a cabeça: “Eu desisto!”… E ria, claro!

Vestidas e de pintura borrada, fomos ensaiar. Ainda tínhamos tempo. Só fazíamos a primeira apresentação às onze da noite. Foi quando a Sónia se lembrou de fazer uns pequenos ajustamentos na primeira sevilhana. O costume! E que nunca funciona, mas somos pessoas optimistas e nunca recusamos um desafio! Siga! Trocamos de posição na passada! Ayayyyy…

Alguém se lembrou de ver as horas: onze e vinte!!!!! Atrasadíssimas! O costume. Pegámos na trouxa, enfiámo-nos no carro e siga! Subimos para o tablao, em transe. Fiquei à frente, do lado direito, debaixo da pernada de uma palmeira. Primeira sevilhana. Não tínhamos chegado ao fim da primeira copla e já estávamos todas baralhadas! Eu, cada vez que subia os braços, batia na pernada da palmeira. E de repente senti-me como o Vasco Santana naquele velho filme português, a falar com o candeeiro. Apeteceu-me perguntar à palmeira: “Vocelência dá-me lume?”. O riso invadiu-me novamente. Foi até ao fim, a bailar e a rir, uma canção que fala de paixão e sentimentos fortes…

O tom do espectáculo estava definido; muitos enganos, riso, a estudarmos atentamente o espaço, para não cairmos do estrado. Um desassossego! Nos intervalos, a mudar de roupa no carro. A vestir saias em cima de saias, enroladas na cintura, a vestir e a despir camisolas, trocar flores no escuro, a apalpar ganchos. O meu carro transformado num tablao perfeito para o strip flamenco!

No final do espectáculo, sentámo-nos novamente na esplanada. A pensar: “o senhor não vai pagar o cachet”. Tivemos direito ao jantar e vá… Depois desta vergonha… Foi a Fiona que arranjou o contacto, foi a Fiona que foi tratar do negócio. Eu e a Sónia sentadas, na expectativa. Quando a Fiona voltou do Bar, a rir, e a dizer-nos que tinha o cheque e que o dono do Bar queria que voltássemos na semana a seguir para as Festas da Cidade. Caiu-me o queixo!! A Sónia a dizer: “Viram? Não foi assim tão mau!!” Ainda hoje me parece impossível, que alguém nos pedisse para voltar… E rio-me sempre que me lembro daquela noite… E o Vasco Santana salta-me à memória…

Foi uma noite de improvisos, de cumplicidades, mais uma vez. A Sónia disse-me há pouco tempo que eu devia ter sido cigana numa outra vida. Eu de reencarnações, não percebo nada… Mas naquela noite, momentos houve em que me senti cigana. Já nesta vida!

Voltámos para casa, cansadas, cúmplices, mortas de riso! Pela A2… O meu sistema de georeferenciação, no seu melhor! Cheguei a casa pelas três da manhã, certa de que ali estava uma história que merecia ser contada, e com meia dúzia de ganchos e elásticos espalhados pelo carro… E uma alça de soutien. De quem é? E siga! Olé!!!

3 comentários:

Anónimo disse...

Uiiii esse espectáculo

Eu ainda acredito que o homem nos convidou para o próximo espectáculo por pena de nós...mas mesmo que fosse verdade fe-lo porque sabia que nos não íamos ter a coragem de la voltar lolololol

Quando aquilo acabou foi o maior alivio da minha vida...o espectáculo correu mal, nunca sabiamos quando e que o dj ia começar a por a musica para começarmos,alguns enganos, poucas palmas, a sorte é que era final de tournee estávamos já com andamento e que algumas de nos são miupes eheheheheheh

Foi só rir!! Animação o dono do bar não se pode queixar que não tenhamos feito agora flamenco, epá foi um flamenco alternativo, de fusão vá! :)

Anónimo disse...

O que eu já me ri sózinha, com as lágrimas a escorreem-me pela face, à conta desta estória... Esta estória que eu esperava que contasses quando te desafiei a escreveres sobre as tuas aventuras de micisgenação e de contrução de cumplicidades... E aqui está ela, no seu melhor...Parabéns... Só digo uma coisa: que inveja!!!
Mas tenho outras estórias similares "para desvendar em privado e num círculo de AMIGOS", também com uma cigana, na idade da loba,lá pelas terras dos gauleses e no meio de outros Rroms, em que se criaram muitas cumplicidades e se estreitaram laços que construiram uma amizade segura...Estas estórias é que realçam as afinidades entre os povos..."Com pequenos ramos se faz uma fogueira"...
Myrna

Anónimo disse...

Ao principio pensava que era só mais uma das suas pancadas, mas com o tempo fui percebendo que a coisa era mais grave.
Se tem jeito ou não para bailar no "taplao" é coisa que ainda não sei, mas sou capaz de me por a adivinhar e dizer que, tal como em muitas outras coisas, se desenrasca muito bem.
Mas mais agradável do que saber das virtudes em cima do caixote de madeira foi o tempo que perdi (ganhei) a ver o blogue. Gostei, tanto como sempre gostei dela (desde que ainda menina a ia buscar à escola).
Tenho várias amostras destas na família mas esta foi sem dúvida, desde sempre, a que mais me encheu as medidas.
Continua que eu vou estar cá deste lado a olhar.