segunda-feira, 20 de abril de 2009

Dibujo en el Aire

Às vezes acontece-nos assim... Ouvimos uma música e uma história acontece-nos cá dentro. Foi o caso do "Dibujo en el aire" dos Chambao. De alguma forma, a letra desta música inspirou a história penada no dia 15 de Abril - Desenhos no Ar. Curiosamente, é uma música que diz pouco à protagonista da mesma...





Chambao - Dibujo en el aire

Ya no quiero vivir con los temores
que prefiero entregarme a la ilusión
y lo que creo, defenderlo con firmeza,
sin historias que me abulten el colchón

Y si un día me siento transformado
y decido reorientar la dirección,
tomare un nuevo rumbo sin prejuicios
porque en el cambio esta la evolución

Evolucion, en el cambio esta la evolución

Que mi camino se encuentre iluminado
y la negrura no enturbie el corazón
discernimiento al escoger entre los frutos,
decision para subir otro escalón
Vivir el presente hacia el futuro
guardar el pasado en el arcón,
trabajar por el cambio de conciencia,
dibujar en el aire una canción

Una cancion en el aire una canción...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

La Shica

Acabei de chegar a casa. Fui ver um espectáculo de La Shica, uma voz do novo Flamenco. E escrevo a quente, ainda com vontade de bater o pé, as mãos a quererem ainda bater as palmas e ainda grito cá dentro "OLÉ!!!".

Absolutamente maravilhoso, contagiante. La Shica, com Duende. Neste momento recordo a música sobre provadores de roupa e os óculos de sol, a música que fez sobre um amor chunga e que dedicou às mulheres maltratadas e que morreram sem ter oportunidade de contar a sua história, a permanente conversa com o público... O resto deixo para vocês, que lá estiveram. Ajudem-me!

Aqui fica um vídeo para vos aguçar a curiosidade, mas que não faz justiça ao que aconteceu no palco. Um Olé com Duende para La Shica!!!

E um Olé com Duende para as pessoas que nos deram a oportunidade de a ver. Gracías!!!



quarta-feira, 15 de abril de 2009

Desenhos no Ar

Nasceu cigana e nela trazia inscritos os códigos da ancestralidade cultural. No primeiro sopro que lhe saiu dos pulmões, desenhou-se no ar um futuro: crescer junto da família, aprender as curvas redondas das letras até o corpo tomar igual forma, casar cedo e ter filhos, andar na venda, ajudar os netos a crescer junto da família. O fado cigano…


A mãe cantava-lhe canções de embalar em castelhano. Entre tangos e malagueñas, a infância corria-lhe feliz. Os pés descalços, o vestido rasgado, os joelhos esfolados da meninice vivida na rua com os primos. Foi à escola porque o pai assim o quis, a sonhar-lhe uma vida diferente da sua. Quando o corpo assumiu o seu destino, passou a amanhar a casa e a cuidar dos irmãos, enquanto os pais iam para a feira ganhar a vida. Juntava o troco dos avios do supermercado e comprava romances de cordel que lia quase às escondidas. Suspirava e no entrelaçar cor-de-rosa dos personagens, desenhava no ar futuros diferentes do seu.


Da janela de casa via passar os Outros da sua idade, rumo aos festivais de verão ou às discotecas. De dentro de casa via os primos homens divertirem-se em experiências vedadas à sua condição feminina. Sentimentos diferentes cresciam dentro de si: a revolta pela desigualdade observada e o desejo de voar mais longe. Entre fandangos e rumbas bailados nas festas da família, no soar das palmas, clap clap, bateu o pé no tablao e deu cabaças aos noivos prometidos. O pai reconheceu nela a coragem, o orgulho e a determinação dos antepassados e deixou-a seguir.


Revirou os estereótipos do avesso e aproveitou os subsídios sociais. Voltou à escola e aprendeu a arte da mediação entre pessoas, a construir pontes de comunicação entre culturas. Conquistou a independência financeira e ganhou consciência de Si e de Cidadã do Mundo. Um sentimento diferente crescia dentro dela: uma vontade de mudar a vida de outras pessoas, de mudar o fado de outras mulheres iguais a ela. Com as suas Companheiras de Viagem, construiu um sonho e fundou uma Associação. Teimosamente, o orgulho e o desafio estampados nos rostos, bateram o pé e estremeceram o Mundo. O delas próprias. E o dos Outros que se vão cruzando no caminho. Entrelaçam afectos e desenham a carvão esquissos incertos no ar. Vidas que se transformam. Consciências que se revelam. Pessoas que se descobrem.


A dança estava-lhe no sangue. Aprendeu a arte do Flamenco, mediada por um duende inscrito à nascença. E com eles, arte e duende, aproximou pessoas e culturas. Deixa bocadinhos de Si nas alunas não ciganas, as payitas. Conta-lhes histórias de luta e resistência, no compás matemático de uma sevilhana ou na aritmética complexa de uma bulería. As saias esvoaçam no ar, os tacões batem no chão, as palmas ecoam no espaço, clap clap, e as alunas improvisam a música, num duende que entrelaça afectos e esboça futuros. Naquele tablao, umas e outras esquecem que nasceram diferentes e constroem pontes de comunicação. O acolhimento do Outro ali, vivido e sentido. Bailado a compás


Conheceu o Amor, tal como nos romances cor-de-rosa que comprava com o troco dos avios. Apaixonou-se por um Senhor e percebeu que era o Sentimento de uma Vida. Casou às escondidas. Quando contou ao pai, ele chorou um lamento jondo que soou pelos corredores da Existência, numa soleá que expressava o medo do futuro. Os casamentos ciganos duram uma vida. Os casamentos entre payos, não. Ayayayyyy… Mas reconheceu nela a coragem, o orgulho e a determinação dos antepassados e deixou-a seguir. Porque para um Cigano não há Valor mais importante que a Felicidade dos seus.


Nasceu cigana. Sentiu-se pequenina durante toda a vida, mas é GRANDE. E da mesma forma que improvisa a música, improvisa o futuro, esquissos incertos no ar. É Cigana, filha do vento. Corajosa, orgulhosa, determinada. E não passou um dia desde o seu nascimento que não desenhe no ar uma canção. A sua.


(Esta história é para a Sónia Matos, a minha Professora de Flamenco. Que continue pela vida fora a improvisar a sua canção. Com Duende! E nunca a poderia ter escrito se ela não tivesse sabido, com arte, construir pontes de comunicação entre nós. Olé Guapa! Mucha mierda!!! E se não é desta que me faz um jaleo na Payita, meto a mão na anca, pego na chinela e faço uma peixeirada! À Sadina!!!)


"Desenhos no Ar" foi publicada na forma de MicroConto no blogue O Galo de Barcelos ao Poder:
http://ogalodebarcelosaopoder.blogspot.com/

O duende para escrever "Desenhos no Ar" surgiu-me através de uma música, que lhe inspira o título. História que penarei dentro de dias.

Histórias afectivamente relacionadas: todas as que apresentam a Palavra Mágica "Araquerar", mas muito particularmente "A Brigada da Peuguinha".
http://pachadrom.blogspot.com/2008/11/brigada-da-peuguinha.html