segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Olga Natália Maia Mariano


“Nós temos cinco dedos na mão. São todos diferentes. São todos necessários.”
Olga Mariano – Assembleia da República, na apresentação pública do Relatório das audições sobre ciganos portugueses, no dia 17 de Março de 2009



Não me lembro de quando a conheci. Terá sido num dos muitos momentos Nómada. Mas recordo-me das suas palavras ditas e não preciso de me socorrer dos papelinhos dispersos onde vou anotando a poesia que lhe sai das suas mais simples afirmações.

A primeira frase que lhe recordo, e que nunca esqueci, será: - Misturem-se! Vão ver que não dói. Filosofia de vida que me acompanha desde então. E não dói, acreditem!

Dizer-lhe a idade seria uma indelicadeza da minha parte. O que já viveu e sentiu dariam para mais de um século… A primeira mulher cigana a ter carta de condução em Portugal. Presidente da única associação de mulheres ciganas do país – a AMUCIP. Uma Mulher bonita, por fora e por dentro.

Era muito nova quando perdeu o marido e ficou sozinha, na sua condição de mulher viúva e cigana, a cuidar dos filhos. O traje negro das viúvas ciganas vestido com o orgulho de quem não abdicará das suas tradições e convicções para construir o sonho de um mundo multicultural, alicerçado na aceitação do Outro diferente e na criação de alternativas de pensar, agir e sentir.

As batalhas que já travou na vida só ela as saberá contar. Hoje, homens e mulheres, ciganos e não ciganos, ficam em silêncio para a ouvir, num respeito que guardamos apenas para aqueles que sabem fazer magia com a vida e deslumbrar-nos com ensinamentos. Coelhos na cartola. Tesouros do fundo do mar.



Escreve, quem a conhece bem:

"Eu conheci a Olga através dos seus poemas que foram sendo publicados no Andarilho – boletim do Nómada. Depois, porque ambas escrevíamos poesia, juntámo-nos num projecto Cultural em Setúbal, dirigido por outra grande mulher – Maria José – e, através deste projecto ofereci à Olga, pelo seu 50º aniversário, o seu primeiro livro de poemas:“Poemas desta vida Cigana”, editado em 2000.
Depois e, durante mais 3 anos, fui-lhe oferecendo, sempre pelo seu aniversário, os seus poemas compilados em livros, dos quais já se publicaram: “Festejando a Vida” em 2002; “Inquietudes” 2003; “Tesouro da Vida” 2004. Tentámos que fossem todos publicados numa compilação, para servir de motivação as outras mulheres ciganas que frequentam os cursos de alfabetização… Mas em vão… Só promessas que o vento leva…"

Myrna


Aqui ficam alguns destes poemas que, como diz a Myrna, deixam transparecer muito da persistência desta mulher muito especial.





Foi no meio da vida
que encontrei uma passagem.
Era muito estreita e pouco viável.
Tentei penetrar e não consegui
Recuei atrás quase desisti.
Um pouco à frente
encontrei uma luz
dirigi-me a ela como a uma cruz

havia esperança de continuar.
É pensando nela que não vou chorar.
Já me sinto tonta
de tanto pensar nessa passagem

não terei lugar

De desilusão em desilusão
vou ultrapassando
cada portão
este é meu destino
e não vou deixar
que outros ocupem
este meu lugar
Se tanto lutei para o conseguir
não será agora que vou desistir
foi no meio da vida que encontrei a passagem
é pensando nela que vou de viagem

Olga Mariano

Ser Cigano
Ser cigano é ser diferente
É como a água a correr
Cristalina e luzidia
Qual riacho a percorrer.
As margens, que mãos tão frias!
O leito, acolhedor
O afluente é a alegria
O desaguar é o prazer.
Será que é compreendido?
O seu andar bamboleante
Quais ondas em maré fria
Qual noite escura e sombria
Que não vês a luz do dia
Até ao amanhecer.
Ser cigano é ser diferente
Ser cigano é ser artista
Pois tudo o que faz, não faz
E tudo o que quer, não quer.
Como será o futuro?
Que futuro nós teremos?
Com tanto para lutar
Sem nunca nos apercebermos
Que difícil e triste realidade
Um dia se esquecerá.
E as batalhas que perdemos!
Mas perder uma batalha
Não é perdermos a guerra
E como trabalhadores e diferentes que somos
Nós juntamos nossas mãos
E com força e harmonia
Carinho e simpatia
Um dia, não muito longe
O sol nos alumia
E como tudo tem um nome
O nosso é alegria.

Natália Maia


Voltámos...!
Como é bom voltar no tempo.
Que andanças!
Que mudanças,
Numa lacuna sem vida.
O reencontro
Da amizade, do carinho, da saudade
Quais belos três mosqueteiros
Quais damas abandonadas
Num tempo que não contou
Que nem me lembro de nada
Duma volta tão esperada
Sonhos na caixa fechada.
Au revoir, à bientôt.

Olga Mariano


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