quarta-feira, 18 de março de 2009

Na Praça do Mundo/Sur la Place du Monde - Uma História da Lusitânia


Dia 26 de Julho de 2008, Feira de Sant’Iago. As Araquerar, num espectáculo com as Gipsy Stars. Na Praça do Mundo, espaço de saberes e de afectos, local de encontros entre culturas.

Mas esta história começa no dia antes. Uma festa na família. Entre cantigas de parabéns e crianças felizes, três das Araquerar ensaiavam no chão de cimento do pátio: a Fiona, a Loira e uma Payita. A família a avaliar sapateados e braceos naquele tablao improvisado.

E entre os espectadores, um convidado diferente. Da Bretanha. O olhar tímido, mas curioso. O chapéu preto na cabeça. A perscrutar tudo. A perguntar tudo. A Festa Lusa, como a vivemos? Entre febras e entremeadas no fogareiro, a comer a tarte vegetariana. Entre sevilhanas e rumbas cubanas, a dançar connosco a "Marcha do Vitória". Ali, naquela Praça do Mundo.

O dia seguinte. O encontro no Espaço Aberto marcado para as 17 horas. Para ensaiarmos com as chaborrilhas. O espectáculo era às dez da noite. Jantávamos uns frangos assados, a salada para os vegetarianos; e os Mojitos a La Payita, pela primeira vez apresentados às Araquerar. A Feira ficava num local próximo, tínhamos cartões de estacionamento. Tudo estava controlado. Tínhamos tempo...

À hora combinada cheguei ao Espaço Aberto, acompanhada da Fiona e do Amigo da Bretanha. Encostadas ao grande portão verde, as Gipsy Stars esperavam-nos, impacientes. Encostada à parede, uma avó cigana gritava. O traje escuro, as mãos na cabeça. Na cara das chaborrilhas, a apreensão estampada. Quando me aproximei percebi o motivo da fúria. Tinham-lhe dito que a neta não podia participar no espectáculo por ter faltado a um ensaio. A avó gritava, colérica... Se a neta não ia, nenhuma iria, nem que as arrastasse dali para fora pelos cabelos!

E naquele momento, fiz o que tantas vezes tenho feito neste meu caminho com a Comunidade Cigana: agi intuitivamente. E numa pantomina mais ou menos sintónica com a da avó, agarrei nos meus cabelos e disse-lhe: “Não lhes arranque os cabelos, que elas têm de estar bonitas para bailar. Arranque os meus!” E esqueci-me que também ia dançar... A avó esboçou um sorriso. Começámos a conversar. O assunto esclareceu-se. Bailávamos todas! Começo a abrir o portão. Ao meu lado, o Amigo da Bretanha. Translúcido, o olhar perplexo. A perscrutar tudo. E a perguntar tudo. Mais tarde...

Ensaiámos. Convivemos. Reforçámos laços. Bailaoras grandes e bailaoras pequenas. As Gipsy Stars foram mais cedo para o local. Tinham transporte cedido pela organização. E nós? Tínhamos tempo! Os cartões de estacionamento, santo e senha para entrar na Feira. Vestíamo-nos lá. Fomos jantar. Convivemos. Reforçámos laços. As Araquerar e os convidados diferentes: o Amigo da Bretanha e o Amigo da Carla (que descobri noutra aventura ser exímio bailaor de Kizombas!).

Seriam umas oito da noite quando vendo-nos envolvidos na conversa, alerto a Sónia - a professora - para a necessidade de nos maquilharmos. Apesar dos cartões, estacionar no recinto da Feira nunca é fácil. Responde-me no seu estilo que já conheço tão bem: “Temos tempo!”... Começa o frenesim de telefonemas e mensagens no meu telemóvel. Com a Catizz, do outro lado do espectáculo, na Praça do Mundo. A alinharmos relógios e nervos de quem tem a pesada tarefa de dinamizar um espectáculo. Eu, do lado de fora. Ela, do lado de dentro. A ansiedade em sintonia cósmica...

Pelas nove da noite, o telefonema fatídico. A Catizz subitamente transformada em arauto da desgraça. Os cartões de estacionamento só funcionavam até às oito! O nosso santo e senha a esfumar-se num telefonema! A correria para nos maquilharmos, a decisão no momento de nos vestirmos ali. Só calçávamos os sapatos no camarim da Praça do Mundo. O frenesim... O pânico... Não temos tempo!!!!

Enfiámo-nos nos carros. Conduzimos que nem loucos. Demos voltas e voltas aos parques de estacionamento da Feira. Percorremos metros e metros de chão o caminho até à entrada, local de encontro, vestidas e maquilhadas, com as mochilas às costas... Esbaforidas, subimos a ladeira íngreme até à Praça do Mundo. Passava e muito das dez e meia da noite...

E lá estava ela: a Praça do Mundo! Numa elevação, stands a representarem diferentes locais do planeta, diferentes culturas, diferentes saberes. Num dos extremos, o palco pequeno. Atrás dele, uma ribanceira. Se nos enganássemos no sapateado, rebolávamos pelas silvas e aterrávamos, sei lá!, nos carrinhos de choque? A ladear o palco, uma árvore. As chaborrilhas já lá estavam, no camarim, impacientes e nervosas. As famílias também. Sentadas nas poucas cadeiras que existiam, em pé no espaço exíguo, penduradas na árvore, impacientes e nervosas...

E nós, nervosas e impacientes, o nervosinho no estômago, começamos a dançar. A sensação inebriante. Um mundo de gente. A corresponder. A bater as palmas a compás, a jalear... Saímos do palco. Era a vez de brilharem as Gipsy Stars. Dirigimo-nos ao camarim. Pelo caminho sou atropelada pela Catizz, em pânico: “Mas vocês já não voltam?!?”. Não lhe tinha dito que mudávamos de roupa enquanto as Gipsy Stars actuavam!

Mas voltámos. E bailámos, grandes e pequenas, num mesmo Duende... E o público a jalear, pendurado na árvore, a tirar fotografias e a filmar. A dançar connosco num palco que subitamente se esticou, como nos livros do Harry Potter, para nos acolher a todos, Cidadãos do Mundo, na Praça do Mundo...

No final, a conversa com as mulheres ciganas. A pedirem-nos tertúlias, momentos de cumplicidade e afectos. Para trocarmos ideias e experiências. E uma chaborrilha, agora mulher casada, a mesma que me disse há muitos anos atrás - “Ayyy… Então pra quêi? O mundo vai acabar no ano dois mili!!”, quando a desafiei a integrar uma turma de currículos alternativos... Agora a dizer-me: “Vocês a bailar não se ficam atrás das ciganas!” E o orgulho que senti...

Deixámos a Praça do Mundo com a certeza que tinha acontecido ali um dos nossos melhores espectáculos. Não tanto pelo que tinha acontecido em cima do palco, mas pelo espectáculo à volta dele. Resolvemos ficar mais um pouco por lá. Eu, a Fiona e o Amigo da Bretanha. Este, de olhar tímido mas curioso. A perscrutar tudo. A perguntar tudo. Sobre nós. Sobre a nossa cultura. Sobre os Ciganos.

No final da noite, a confirmação de uma amizade improvável entre uma paya nova e uma paya velha, com o santo e senha “Lo Bueno y lo Malo”, as pipocas espalhadas no tapete do carro... E o vislumbre de um dia estas histórias de encontros entre culturas, de trocas de saberes e afectos, chegarem a outros lugares desta grande Praça que é o Mundo.

La Payita





Le 26 juillet de 2008, à la Foire de Sant’Iago. Les Araquerar, dans un spectacle avec les Gipsy Stars. Sur la Place du Monde, espace de savoirs et d’affects, lieu de rencontres de cultures.

Mais cette histoire commence le jour précédent. Une fête de famille. Entre chansons de félicitations et enfants heureux, trois des Araquerar répétaient sur le sol en ciment de la cour : Fiona, la Blonde et une Payita. La famille évalue les calcaneos e braceos sur ce tablao.

Et, parmi les spectateurs, un invité différent. De la Bretagne. Un regard timide, mais curieux. Le chapeau noir sur la tête. Scrutant tout. Questionnant tout. La Fête Lusitane, comment on la vivait ? Parmi grillades de porc sur le charbon, mangeant une tarte végétarienne. Entre sévillanes et rumbas, dansant avec nous la "Marcha do Vitória". Là, sur cette Place du Monde.

Le jour suivant. Le rendez-vous dans l’Espaço Aberto à 17 heures. Pour répéter avec les chaborrilhas. Le spectacle est à 22 heures. On a dîné quelques poulets rôtis, la salade pour les végétariens; et les Mojitos à la Payita, pour la première fois présentés aux Araquerar. La Foire était dans un endroit proche, on avait des cartes de stationnement. Tout était contrôlé. On avait du temps…

A l’heure combinée je suis arrivé à l’Espaço Aberto, accompagnée para Fiona e l’Ami de Bretagne. Tenues sur le grand portail vert, les Gipsy Stars nous attendaient, impatientes. Tenue contre le mur, une grand-mère gitane criait. La vêtue foncée, les mains sur la tête. Sur le visage des chaborrilhas, l’appréhension marquée. Quand je me suis approchée, j’ai perçu le motif de la colère. On lui avait dit que la petite-fille ne pourrait pas participer au spectacle car elle avait manqué une répétition. La grand-mère criait, en colère… Si sa petite-fille n’allait pas au spectacle, plus personne n’y irait, ni que pour cela elle les tirerait par les cheveux !

Et à ce moment, j’ai fait ce que maintes fois je fait, sur ce chemin avec la Communauté Gitane: j’agi intuitivement. Et avec une pantomime plus au moins syntonisée avec celle de la grand-mère, j’ai attrapé mes cheveux et je lui ai dit: "Ne les tirez pas les cheveux, car elles doivent restées jolie pour aller danser. Arraché plutôt les miens!" En oubliant que moi aussi j’allai danser. La grand-mère a laissé deviné un sourire. On a causé. L’affaire s’est réglée. On danserait toutes! Je commence à ouvrir le portail. A mes côté, l’Ami de Bretagne. Translucide, le regard perplexe. Scrutant tout. Et questionnant tout. Plus tard…

On répétait. On conviait. On renforçait les liens. Grandes bailaoras et petites bailaoras. Les Gipsy Stars furent plus tôt vers le lieu du spectacle. Elles avaient un transport cédé par la mairie. Et nous ? On avait le temps ! Les cartes de stationnement, le saint et le mot de passe pour entrer dans la Foire. On se vêtirait là-bas. Nous sommes allées dîner. On conviait. On renforçait les liens. Les Araquerar et les invités différents : l’Ami de Bretagne et l’Ami de Carla (que j’ai découvert être, dans une autre aventure, un grand bailaor de Kizomba!).

Vers 20 heures, bien au milieu d’une bonne causette, j’alerte Sónia – notre professeur – du besoin de nous maquillées. Malgré les cartes, stationner dans le parc de la Foire n’est jamais facile. Elle me réponds dans son style que je connais bien: "On a le temps!"…

La frénésie des coups de téléphones et de messages commence sur mon portable. Avec Catizz, du côté du spectacle, sur la Place du Monde. On règle nos montres et nos nerfs…on est a la tâche de dynamiser un spectacle. Moi, du dehors. Elle, du dedans. L’anxiété en syntonie cosmique…

Vers 21 heures, le coup de téléphone fatidique. Catizz subitement transformée en héraut de malheur. Les cartes de stationnement ne fonctionnent que jusqu’à 20 heures. Notre saint et notre mot de passe entrain de s’envoler en un coup de fil. Notre cours pour nous maquiller, la décision du moment de nous vêtir sur place. On ne chausserait nos souliers de danse que dans la cabine de la Place du Monde. La frénésie….La panique…. On n’a pas le temps !!!!

En s’enfilent dans nos voitures. Non conduit comme des folles. On tournent et on tournent dans les parques de stationnent cherchant une place. On parcours des mètres et des mètres de sols du chemina jusqu 'à l’entrée, rendez-vous, vêtues et maquillées, avec nos sacs à dos… Epoustouflées, on monte la colline jusqu 'à la Place du Monde. Il passait les 22h30…

Mais la voici: la Place du Monde! Sur une élévation, stands qui représentaient quelques différents locaux du planète, différentes cultures, différents savoirs. Dans un coin, le petit plateau. Derrière, une petite falaise. Si on se trompait dans les calcaneos, on roulerait sur les brousses et on atterrerait… dans voitures du carrossel? Á côtoyer les plateaux, se trouvait un arbre. Les chaborrilhas y étaient déjà, dans la cabine, impatientes et nerveuses. Les familles aussi. Assises sur les quelques chaises qui existaient, debout dans un espace exiguë, pendues sur l’arbre, impatientes et nerveuses…

Et nous, nerveuses et impatientes, la nervosité dans l’estomac, on commence à danser. La sensation inébriante. Un monde gens. A correspondre. A claquer des mains au compás, a jalear… On sort du plateau. C’était la fois des Gipsy Stars de briller. On se dirige à la cabine. Sur le chemin je suit bousculée para Catizz, paniquée: "Mais vous ne revenez plus?" Nous ne l’avions pas dit qu’on allait changer de vêtement pendant que les Gipsy Star dansaient!

Mais on est revenues. Et on a danser, grandes et petites, dans un même Duende… Et le publique à jalear, pendu sur l’arbre, tirant des photos et filmant. Dansant avec nous sur un plateau subitement élargi, comme dans les livres de Harry Potter, pour nous accueillir à tous, Citoyens du Monde, dans la Place du Monde…

Au final, les causettes avec les femmes gitanes. Demandant des "tertúlias" (des soirées causettes), moments de complicités et d’affects. Pour échanger des idées et des expériences. Et une chaborilha, maintenant mariée, la même qui m’avait dit quelques années avant: "Ayyyy….Alors pourquoi ? Le monde va finir dans l’an 2000 !", quand je l’avait défiée à intégrer une classe de curriculum alternatifs… Maintenant me disant: "Vous danser pas plus mal que nous!" Et la fierté que j’ai sentie…

On a laissé la Place du Monde avec la certitude d’être arriver là un de nos meilleurs spectacles. Non pas à cause de la performance sur le plateau, mais plutôt à cause du spectacle auteur de lui. On resta un peu plus. Pour savourer ce moment. Fiona, moi et l’Ami de Bretagne. Celui-ci, de regard timide mais curieux. Scrutant tout. Questionnant tout. Sur nous. Sur notre culture. Sur les Gitans.

Vers la fin de la soirée, la confirmation d’une amitié improbable entre une paya jeune et une paya âgée, avec un saint et un mot de passe "Lo Bueno y lo Malo", les pops-corns éparpillés sur la moquette de la voiture… Et l’aperçu qu’un jour, ces histoires de rencontres de cultures, d’échange de savoirs et d’affects, arriverait à d’autres lieux de cette Place que c’est le Monde.




Um Olé! com Duende para a Myrna, pela magia das palavras, e à Betty, pela magia das imagens. Tarefa difícil a das duas...

Histórias afectivamente relacionadas:
Las Araquerar - http://pachadrom.blogspot.com/2008/09/las-araquerar.html
As Gipsy Stars - http://pachadrom.blogspot.com/2008/11/as-gipsy-stars.html
Lo Bueno y lo Malo - http://pachadrom.blogspot.com/2008/10/lo-bueno-y-lo-malo.html

6 comentários:

Fiona disse...

A reviver tudo e a sorrir com a lágrima marota no canto do olho!!!

Conseguiste agarrar bem a emoção que foi aquela aventura de espetáculo...

Feitas malucas a andar vestidas pela feira sem saber onde era o palco, o acesso não era propriamente o mais fácil. Chegamos finalmente ao espaço e qual não é o meu espanto quando me deparo com pessoas desesperadas com medo que já tivessemos atuado!! ahahahahaha Eu azul de stress e vergonha por estarmos atrasadas!!

Anónimo disse...

Para além da vossa espectacular actuação em sintonia entre pequenas e grandes BALAORAS, o que me impressionou foi a capacidade de atrair as famílias ciganas, não apenas curiosas de conhecer as alunas PAYITAS que aprendiam as artes “espanholas” (Sevilhanas e Rumbas) com uma professora cigana, mas sobretudo orgulhosas por verem as suas CHABORRILHAS, lindas, exibindo-se num palco do tamanho do Mundo. Este feito aconteceu, porque, todos o sabemos, é pela mão das crianças que se chega ao Outro; e foi esta mistura de idades, de músicas e de culturas que teve a capacidade de encher a Praça do Mundo, praça que se tornou muito pequena para tanto e diverso público. Fosse ela maior, mais espaço haveria para bailarmos uns com os outros, em uníssono, em sintonia, entre iguais, entre humanos… habitantes de Setúbal e cidadãos do Mundo!

catizzz disse...

Apesar dos nervos, divirto-me sempre muito na odisseia anual "Praça do Mundo". Não é fácil o trabalho de bastidor, sobretudo tendo em conta a diversidade de artistas... e que artistas! Essa noite foi uma das mais animadas, sem dúvida!
Esperemos que este ano a Praça cresça (em todos os sentidos) e haja mais espaço para bailar!

Anónimo disse...

E graças à magia das palavras, ao calor dos afectos, à fraterna cumplicidade de tantas e tão belas mulheres das mais variadas idades, lá estava eu sem dotes de bailador , no meio de toda aquela festa...
La Payita demorou a regressar mas voltou com toda a grarra e força de viver habituais.

Anónimo disse...

Uma noite divertidíssima. Primeiro cheia de tempo e depois absolutamente stressadas e espavoridas a correr pelo meio da feira de saias compridas e flores na cabeça, mais as malas nos braços e porta fatos. Não se pode dizer que foi uma entrada de artista…mas sim artística.

Depois correu bem! Que bom quando dançamos com duende…e para uma plateia de respeito. Ciganos que dançam com alma a ver payas e ciganas dançar flamenco. Sem dúvida uma grande noite!

Nota 10 para mojitos da Payata...

erwan disse...

Arequerar has a lot to share.
keep recording these moments where links are created between people thanks to your art.

what the Gypsy Star have become? Do they still dance? I hope so. Have you made more shows with them? That night, i've liked the idea of the two groups sharing the stage.

May be i will have the pleasure to see you dancing in another time in another context, another project, another story.