quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Oléeeeee!!!

E se depois de comerem as passas em cima da cadeira, baterem com as tampas dos tachos, com a cueca azul vestida, não se lembrarem de mais nada para fazer.... Experimentem fazer como este "senhor"! Cheio de salero!

BOM ANO!!!!! Bailem muito!


sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Povo das Estrelas, os Filhos do Vento?

“O Mito da Origem”

Deus criou três bonecos: um homem demasiado cozido (um negro), um homem insuficientemente cozido (um branco) e um homem cozido como deve de ser (um cigano). Deus ofereceu várias coisas às suas três criaturas. O branco escolheu a charrua, o negro o arco e a flecha e o Rom bebeu uma grande taça de álcool e embebedou-se. O antepassado tinha escolhido a liberdade.

"O Mito da Errância"

Uma vez, os Ciganos, vá-se lá saber porquê (talvez por causa dos efeitos mágicos da sua arte sobre os espectadores ou devido ao seu carácter de eternos insubmissos) fizeram zangar Deus, o qual fez soprar um vento tão forte que os homens, os cavalos e as carroças ficaram dispersos. Quando a tempestade amainou, os homens olharam em volta e nem queriam acreditar no que os seus olhos viam: estavam em lugares e entre gente desconhecida e, em seu redor, ninguém sabia onde era o seu país, nem sequer se este jamais havia existido.

Retirados do livro "Ciganos aquém do Tejo":
http://www.acime.gov.pt/docs/Publicacoes/C
IGAN

OS/Ciganos_Aquem_do_Tejo.pdf


Estas duas pequenas histórias fazem parte da tradição oral do Povo Cigano que, como foi explicado numa outra história*, são uma cultura de tradição oral, ágrafa (sem forma escrita). E estas pequenas histórias, que têm passado ao longo dos séculos de geração em geração, permitem-nos, para lá da metáfora, conhecê-los um bocadinho melhor.

E escolhi estas e não foi por acaso. A partir delas proponho-me analisar e questionar as fronteiras entre os mitos e as realidades sobre este Povo. Situá-lo naquilo que é o seu modo de vida actual. E transmitir a forma como os preconceitos e a xenofobia da designada cultura dominante, através de mecanismos de controle social, os vão, paradoxalmente, empurrando para uma confirmação de mitos, que não é desejada pelos ciganos. Tarefa hercúlea a que me proponho e na qual espero ser bem sucedida. Vocês o dirão.

Começo pela errância, pelo nomadismo. Um pormenor curioso transmitido neste mito é que o nomadismo lhes acontece na sequência de uma zanga com Deus. O que me deixou a pensar que o facto de se terem espalhado pelo mundo não é consequência de uma qualquer vontade de o explorar, não está intrinsecamente ligado ao seu sentimento de Liberdade, sobre o qual fala o Mito da Origem.

Os Ciganos terão a sua origem no Norte da Índia*. É na sequência de inúmeras perseguições, julgamentos e expulsões, que iniciam um longo caminhar pelo mundo. Na Moldávia e na Valáquia (actual Roménia), os ciganos foram escravizados durante trezentos anos. Na Albânia e na Grécia pagavam impostos mais altos. Na Península Ibérica foram perseguidos, deportados ou executados pela Inquisição Católica.

Dos inúmeros exemplos destas perseguições, vou demorar-me num facto histórico: o Holocausto Nazi. Foram exterminados cerca de meio milhão de ciganos durante o Holocausto. Tive consciência desse facto com a EcoFormação do Nómada, aquando da exibição de um documentário sobre o extermínio de ciganos na Segunda Guerra, do qual recordo apenas o relato de uma cigana sobrevivente. E ela evoca o momento em que, no campo de concentração, lhes dão sabão para tomarem banho e lhes dizem que o mesmo era feito com a gordura dos filhos mortos. Em desespero, comeram o sabão, numa tentativa de manterem os laços com a família morta. E quem conta o acontecimento é o jornalista. Porque aquela mulher cigana é incapaz de o fazer, passados tantos anos. A dor, o choro, o sofrimento. Inimaginável…

E este momento em vídeo marcou-me. E deixou-me a pensar. Apesar de ter lido alguns livros sobre o Julgamento de Nuremberga e sobre este período negro da História, eu desconhecia o genocídio cigano no Holocausto. E como eu, provavelmente muitas pessoas no mundo. E porquê? Porque ignoramos nós este facto histórico? Não interessa? É mais cómodo não pensar sobre ele? Quando me perguntei sobre o porquê deste acontecimento, sem esquecer que não haverá nunca qualquer explicação lógica e racional para um genocídio, ocorreram-me as seguintes inquietações: os ciganos não representavam nenhum perigo bélico nem uma ameaça económica ou política. Foram exterminados por serem diferentes?

E regresso ao primeiro mito. O da origem. Os movimentos migratórios forçados obrigaram o Povo Cigano a uma caminhada em busca de novas terras onde pudessem viver em liberdade, mantendo os seus hábitos e costumes. Preservando a sua identidade cultural. Fechando-se, para sobreviverem.

São os povos nómadas os que mais experienciam um sentimento amplo de Liberdade. Não há espaço e tempo. Vive-se o momento. Tudo acontece agora. Não há fronteiras, apenas aquelas que são definidas entre eles, e tantas vezes invisíveis para nós. Neste contexto, a organização de uma comunidade alicerça-se nas redes de solidariedade. Nos afectos. Nos valores familiares. Nas normas de convivência harmoniosa. Normas rígidas, tantas vezes incompreensíveis para nós.

O Povo Cigano é o Guardião da Liberdade, li certa vez. O seu lema é: “O Céu é o meu tecto, a Terra a minha Pátria e a Liberdade a minha Religião”. Mas também li, noutras histórias passadas na tradição oral, sobre a inevitabilidade de voltarem à sua origem, à sua terra.

E volto a questionar-me. Os elementos com que tantas vezes os caracterizamos, descaracterizando-os, são intrínsecos a uma determinada cultura ou são consequências de um caminhar forçado e secular pelo mundo? E perante a sua História, pergunto-me se os mitos associados ao Povo Cigano não serão mais uma consequência de um nomadismo forçado, do que um desejo de liberdade inato, um temperamento emotivo inscrito num qualquer código genético…

A minha vivência com esta comunidade tem-me confrontado tantas e tantas vezes com estas questões. E tem-me obrigado a desconstruir preconceitos, tantas vezes romanceados na minha cabeça, sobre o Nomadismo e o viver a Liberdade. São pessoas que repetem, sem que os escutemos verdadeiramente, somos Portugueses!!! A dizerem-nos com isto que pertencem a um lugar, não são errantes no mundo. O seu nomadismo, o seu longo caminhar, reflecte-se na sua vivência quotidiana. Porque assim o viveram durante séculos. E observo isto na forma como educam os chaborilhos, em liberdade, na rua. De improviso. O que vai acontecendo no dia a dia é aproveitado para a transmissão de valores. Espontaneamente.

Observo isto na forma como vivem o espaço público. Para nós, um espaço gerido por regras, mais ou menos racionais. Construímos Parques Urbanos, verdinhos até ao desespero, mas não podemos pisar a relva. Construímos urbanizações gigantescas, caixotes de prédios, gritamos por espaços públicos, de lazer e de convívio com a vizinhança, e depois enfiamo-nos em Centros Comerciais aos domingos à tarde.

E criticamos os ciganos porque ocupam o espaço público, fazendo dele uma extensão da sua casa. E organizam festas, convivem. E as suas casas, sempre de portas abertas… Nunca, em dez anos de trabalho, me foi recusada a entrada numa delas. O convite pronto à conversa.

E a vivência do tempo. O agora. A dificuldade em gerir orçamentos a prazo. O que se ganha hoje, é gasto hoje. O amanhã não existe. Como me dizia a Olga Mariano, Presidente da AMUCIP, para os ciganos “chapa ganha, chapa gasta”. Resquícios de um nomadismo secular forçado.

Este nomadismo apenas o vislumbramos nestes pequenos comportamentos. Não há ciganos nómadas, hoje. Em Portugal, a Comunidade Cigana acedeu apenas na década de 90 à habitação social. A uma morada fixa. E portanto estamos a contrariar a mais de cinco séculos de nomadismo no nosso país, pouco menos de duas décadas de sedentarização.

É neste contexto que a “cultura dominante” exige aos ciganos o cumprimento dos seus deveres de cidadania, quando só muito recentemente tiveram acesso aos seus direitos enquanto cidadãos. E esperamos não só que cumpram, mas que se adaptem. Que sejam iguais a nós. E esquecemos todo um passado que não é igual ao nosso.

E é com assombro que me apercebo de que eles, mais do que ninguém, têm conseguido mudar e adaptar-se. Neste caminho com pouco menos de duas décadas foram eles que fizeram o movimento de vir ao nosso encontro, “surfando a mudança”**. Têm vindo com uma rapidez impressionante a adoptar as nossas estratégias de sobrevivência social, exigindo direitos.

Estive recentemente num Encontro sobre Ciganos, em Coimbra. Uma Técnica de um determinado serviço autárquico explicava que, na atribuição de casas a ciganos, avisavam a família no dia antes, senão “eles organizavam imediatamente um abaixo-assinado”. Então? O exercício da cidadania é quando nos convém?

E falemos do cumprimento de deveres. Aos ciganos é-lhes vedado o acesso ao emprego e à habitação própria, porque ninguém dá emprego a um cigano e ninguém vende uma casa a um cigano. E, portanto, encurralamos esta comunidade na venda ambulante, na habitação social, na dependência dos subsídios do estado. E a seguir, chamamos-lhes “pobres e mal agradecidos” ou “parasitas sociais”. Então? O exercício da cidadania é quando nos convém?

Volto atrás. Não há ciganos nómadas em Portugal. E acrescento. De livre vontade. Famílias existem que ainda não tiveram acesso a uma habitação. E que andam pelo país, de terra em terra, como os seus antepassados, acampando por períodos de 48 horas, o máximo permitido por lei. Depois são expulsos pelas Autoridades locais ou pagam coimas de 600 euros.

Famílias a viverem em matas, a fazerem círculos de viagens entre o Baixo e o Alto Alentejo. Famílias com crianças, que apesar da sua vontade em ir para a escola não o podem fazer. Não se tecem laços de confiança que permitem aprender nesta escolarização de 48 em 48 horas… Crianças com problemas de asma, por viverem em condições sub-humanas. A apanharem sarna, em pleno século XXI!

E temos ainda famílias como as que vivem no Bairro das Pedreiras em Beja. Um Bairro, um aglomerado de casas térreas, junto de tendas. Cercado por um muro de três metros de altura, para que a cidade não os veja. Longe da vista… Pessoas forçadas a viver como bichos! Perto do Bairro, um Canil que apresenta melhores condições. Pelo menos, a rede que o cerca permite que os bichos vejam o exterior…

Nestas casas, construídas com materiais de qualidade duvidosa, vivem cidadãos portugueses, ciganos, que pagam uma renda. Sem acesso a água quente. Afastados dos principais serviços, andam quilómetros para acederem aos bens básicos. Perto do Bairro, uma linha de caminho de ferro utilizada por uma fábrica de cimento. O recreio das crianças que ali moram. Neste contexto, estas famílias têm saudades das barracas onde moravam…


Quando tratamos as pessoas como bichos, elas têm tendência a comportarem-se como tal. Famílias forçadas a serem nómadas. E, assim, num paradoxo justificado pela manutenção da “ordem social”, confirmamos os mitos de uma comunidade, que mais não tem feito senão combatê-los, procurando adaptar-se, surfando a mudança…

(Nesta história, dois agradecimentos especiais. À Myrna, sempre!, também ela "grilinho da consciência". E ao Bruno Gonçalves, da Associação Cigana de Coimbra, que foi "os meus olhos" numa história que não vi e não vivi. Um Olé com Duende para ambos!)


*Ver “Payos, Paillos e Senhores”, de 25 de Outubro de 2008.

** Surfar a mudança: fluir no seu dorso, decidir no contexto do momento, das necessidades e dos desejos mais imediatos e aspirar aos seus ganhos também mais imediatos. Trata-se de uma táctica sem estratégia, importando sobretudo o vencer de batalhas, dada a mais-que-humana dimensão da guerra (da sobrevivência).

“Ciganos e Cidadania(s)”, Mirna Montenegro (2007). Caderno nº9 do ICE

http://www.iceweb.org/cadernos_ice9.html

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Sueño y Muero


Na vida, existem pessoas que dão a volta ao mundo. Outras andam às voltas com a vida. E outras, ainda, que dão a volta à vida. Todas elas se vão encontrando, aqui e ali, no mundo.

E é neste tropeçar de uns e outros que vamos crescendo e aumentando. Porque como diz o Exupéry, e vou utilizar a sua magia com as palavras sem confirmar em sites de citações, é nestes encontros felizes que vamos deixando bocadinhos de Nós nos Outros.

Como já o escrevi noutras histórias, é numa sucessão feliz de encontros com pessoas ciganas e não ciganas que me envolvi apaixonadamente pelo Flamenco e pela Cultura Cigana. E já escrevi sobre aquele que foi o meu tropeçar em pessoas como a Myrna e a Sónia.

No mundo e na vida, tropeçamos em pessoas que nos fazem ir mais longe, procurar significados, descobrir sentidos. Naquilo que nos acontece, naquilo que nos desperta a curiosidade. Onde estão os nossos limites? Existem? E isto acontece porque estas pessoas deixam bocadinhos delas em nós. E tantas vezes sem o saberem. E porquê.

A música dos Chambao entrou na minha vida num destes encontros felizes. Ouvia repetidamente os cds das aulas de flamenco. Em casa, no trabalho, no carro. Experimentava e repetia até à exaustão o que aprendia nas aulas. Sabia cada frase rítmica, cada coreografia, cada verso… Ficava à frente nos espectáculos por saber as coreografias e nunca me enganar. Mais tarde percebi que não seria tanto por isto, mas por ser pequenina…

Os Chambao entraram na minha vida e no meu mundo. E aquilo que experimentava em casa e no carro, com as músicas conhecidas das aulas, começaram a ser experimentadas com estes novos sons. Um flamenco diferente… E eu a experimentar. A improvisar coreografias num compás, que me fazia ir mais longe. E a levar este novo flamenco para as aulas. A deixar estes bocadinhos de mim, trazidos por outros, noutros. A ser recompensada pela Professora, no dia em que me diz: “Já brincas com os pés!”. Uma sucessão de encontros felizes…

A música “Sueño y Muero” dos Chambao não será a minha preferida. Mas dá o título à história e vou explicar porquê. Esta música, que deixo no fim, é uma lindíssima história de amor. Que me intrigou pelo título. A palavra “morte” numa canção de amor. A palavra “morte” a cruzar-se, mais uma vez, no meu caminho cigano.

A primeira vez aconteceu-me, ainda no Bairro da Ajuda, numa fase em que iniciava a desconstrução de preconceitos sobre ciganos. No recreio de uma das escolas, uma zanga de chaborilhas. Uma delas a dizer “eu mato-te!”. O meu olhar de pânico deve ter sido tal, que uma delas se apressou a apaziguar-me, explicando que aquilo não significava o que parecia, apenas que estavam zangadas. Ninguém ia morrer!! Fiquei mais descansada!

A palavra “morte”, no mundo dos afectos. Como quando a Fiona me diz “Morre!”, num momento mais inspirado, com Duende. Fui procurar. E nas inúmeras definições que encontrei e que remetem para o fim da vida, para a inevitabilidade da existência, para a fatalidade do Ser, a resposta: “sentir con fuerza”. Apaixonadamente…

E descobri outras coisas. Que no Tarot a Morte significa a evolução, que passamos de um estado para outro, superior. E descobri as pontes que ligam o Flamenco e o Fado. O “sentir con fuerza” e o “destino”. A fatalidade no sentir! A Identidade Ibérica! Dois povos separados por uma fronteira. A sentirem apaixonadamente o mesmo pela vida, pelo mundo.

E descobri tudo isto porque um dia me aconteceu um encontro feliz. Porque deixamos bocadinhos de Nós nos Outros. Mas só crescemos e aumentamos quando nos disponibilizamos para isso. Como diz a Myrna, porque queremos acolher o Outro diferente… E deixamo-nos levar, na descoberta da diferença.

O Flamenco e a Comunidade Cigana não existiam na minha vida. Aconteceram-me. Porque Outros tropeçaram comigo na vida. E o que me queriam comunicar fez-me sentido, sem que eu perceba exactamente porquê. E não há comunicação sem envolvimento (e mais uma vez o Exupéry e até tenho vergonha de estar sempre a citá-lo, mas é daqueles encontros felizes, fazer o quê?). E deixei-me levar, explorando limites, indo mais longe… Num “sentir com fuerza”, num Duende que expressa o que vai cá dentro, bom e mau… Os afectos. Sempre!

E na vida, existem pessoas que dão a volta ao mundo. Outras andam às voltas com a vida. E outras, ainda, que dão a volta à vida. Todas elas se vão encontrando, aqui e ali, no mundo. E porque estes encontros felizes nos acontecem, vamos explorando limites. Porque nos disponibilizamos para o acolhimento da diferença. A dos Outros. E a Nossa. Apaixonadamente. Num sentir com fuerza!

(Esta história é para um “Ex-Best-Miga”. Que encontre aquilo que procura e que, suspeito, está onde sempre esteve… Dentro dele. Hasté!)


Sueño y Muero - Chambao

http://www.youtube.com/watch?v=SwLsW9TMRbw


sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

No avesso do cenário...


«Os ciganos não são mais europeus do que americanos ou índios. Os ciganos estão na Sibéria como na China. Estão sempre no avesso do cenário. Eles são a “escória” das sociedades dominantes, seja qual for a dominação. Onde estiver o cigano há dominação. Os ciganos são um revelador das desigualdades, das exclusões. E são mal conhecidos.
Atribuem-lhes hoje, como ontem, virtudes e vícios extraordinários. Lisonjeiam-lhes a estranheza para melhor os ignorarem e a sua selvajaria para melhor os disciplinar. A sua vulnerabilidade para melhor os explorar, a sua fragilidade para os enfraquecer ainda mais. Os jacobinos perguntam se eles têm alma e os padres se eles têm religião. Os revolucionários perguntam se eles são politicamente correctos, os democráticos, se eles são despóticos, as feministas se as mulheres deles são maltratadas; os historiadores se têm história; os musicólogos se eles têm música; os higienistas se eles se lavam. Poucos povos entram no comércio com tantas negações. O seu holocausto é negado tanto pelos estados nacional-populistas como Vichy, como pela Alemanha pós-nazi. Os racistas duvidam que eles sejam uma verdadeira raça, os letrados que eles sejam capazes de escrever poesia. Os revisionistas rejubilam porque os ciganos partilham com os judeus o privilégio do crime contra a humanidade. Mas a humanidade deles ainda não entrou no reconhecimento colectivo. (…) Os Roms, hoje como ontem, mostram-nos o estado do mundo que nós não vemos com os nossos olhos. Um mundo que os encurrala nos subúrbios das cidades. (…) Mais do que Nómada (que eles já não são em parte nenhuma do mundo – pois avaliam-se em 5% os que escaparam, eles têm um pensamento nómada. (…) A sua cultura e a sua civilização não têm pretensões guerreiras nem burocráticas. Eles não totalizam nem os outros nem o mundo. Eles aparecem-nos por segmentos. Um grupo cigano aqui; outro grupo cigano ali. Não se consegue globalizá-los, estruturar firmemente as constantes. Dizem-nos que são diversos, plurais; cada um, um microcosmos.»

Claire Auzias - Os Ciganos ou O destino selvagem dos Roms do Leste (2001)


quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Não há longe, nem distância...


Em Maio de 2006 aconteceu-me o Encontro Internacional do Nómada, uma história inesquecível de aprendizagens e cumplicidades com Outr
os diferentes de mim, e que será aqui um dia contada. A Myrna voltou a reencontrá-los há pouco tempo. Desafiei-a a partilhar connosco esta sua história. É o que transcrevo abaixo. Com inveja... Da boa!!! ;)





"Em Dezembro de 2002, fui convidada pelo Centre de Recherches Tsiganes de Paris, na pessoa de Jean Pierre Liégeois (e por sugestão do então ACIME, na pessoa da Drª Helena Torres) para participar num colóquio europeu sobre a formação de docentes que trabalham com ciganos. Nesse encontro encontrei a Elisabeth Clanet (professora e historiadora poliglota), Ana Gimenez (cigana gitana e professora universitária em Barcelona), o Vincent Ritz (cigano manouche francês, mediador e formador, conhecido por Nara), o Michael Rigolot (professor francês do CASNAV de Besançon e conhecido pelo brasileiro e que trabalhou em Moçambique) e o Alain Montaclair (cigano rom e professor universitário de Besançon). Fiquei com a pulga atrás da orelha…




Em Julho de 2003, fui novamente convidada pelo mesmo organismo a participar na Universidade de Verão, sobre a mesma temática, em Dijon…Desta v
ez, fiz-me acompanhar da Olga Mariano da AMUCIP…Foram 8 dias deliciosos, de uma intensidade de trabalho e de partilha de cumplicidades e emoções que deixaram marcas profundas, ao reencontrarmos amigos… Em Abril de 2004, reencontrámo-nos, alguns de nós, num encontro organizado pelo CASNAV de Amiens e, nesse mesmo ano, em Julho, reencontrámo-nos todos em Talavera de la Reina, noutro Congresso Internacional, sobre a mesma temática…





Em Maio de 2006, desafiei-os a vir a Portugal, para participar no I Encontro Internacional do Nómada II, realizado com o apoio do então ACIME e da Câmara Municipal de Setúbal (com a presença e apoio insubstituível do Espaço Aberto e de La Payita).





Em Dezembro de 2008, fomos novamente desafiadas, a Olga e eu, a participar num colóquio europeu sobre a problemática das comunidades ciganas na Europa, organizado por IUFM e CASNAV de Besançon, instituições onde o Michael Rigolot e do Alain Montaclair trabalham…Sempre presente a alegria do reencontro, à memória as cumplicidades vividas juntos e sobretudo as problemáticas e perspectivas sobre intervenção com comunidades ciganas que partilhamos.





Desta vez, além do colóquio de 3 dias (http://colloqueroms.fcomte.iufm.fr/), prolongámos a nossa estadia por mais 3 dias, a Olga e eu, pernoitando em casa de uns e de outros (Jean-Pierre, Anne Marie, Marise, Marie Claire), todos professores que trabalham com “Les voyageurs” (incluindo as comunidades ciganas), visitámos as “Classes d’Accueils des Enfants du Voyage” (classes trampolins nas escolas do 1º ciclo e dos 2º/3º ciclos) e visitámos as “Écoles du Voyage” (camiões escola) http://gensduvoyage70.fr/index.php?rbr=10&s_rbr=21 que seguem as crianças nos seus “Aires de Stationnement” (parques nómadas).





Tivemos também oportunidade para fazer um brinde com licor de Cassis, ver nevar, comer fondue de queijo, ouvir e ver um espectáculo de fusão musical (entre o Jazz Manouche e a música Rom do Kosovo, cantando, entre outros temas o hino do Povo Roma “Gelem Gelem”). E, mais uma vez, alimentaram-se amizades, trocaram-se perspectivas e experiências, construíram-se cumplicidades. E despedimo-nos com um “Au revoir”, isto é, até à próxima…

Mas ficou-nos um sabor amargo na boca, sentindo a mágoa de, mais uma vez, termos consciencializado que a problemática das comunidades ciganas é, se não à escala mundial, é-o à escala europeia sem dúvida, a de um povo que continua a ser o mais mal tratado e desprezado, apesar de serem já 10 milhões de cidadãos europeus…"

Myrna

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A Compás: Palos de Ida y Vuelta

E continuamos com um conjunto de histórias sobre o que tenho aprendido eu sobre o Flamenco*. Vou hoje escrever sobre os Palos de Ida e Vuelta.

São estilos aflamencados procedentes do folclore hispano-americano. Sobre o nome que as designa, diz-se que estes palos teriam chegado à América, pelos emigrantes espanhóis, na época dos Descobrimentos. Aí teriam sofrido variações e com o seu regresso teriam ganho as suas expressões mais actuais.

Hoje, acredita-se que a sua origem é exclusivamente do Novo Mundo, em especial Cuba, e que chegaram a Espanha por volta do século XIX, pelos emigrantes.

Desta família musical fazem parte a Milonga, a Vidalita, a Rumba, a Columbiana e a Guajira. Hoje vou demorar-me na RUMBA. Cuba ahora sí! A rumba chega a Cuba através dos escravos africanos. É um palo de compasso binário e o nome deriva do de uma onomatopeia que representa um som vibrante e tonitruante.

Em Espanha, a rumba espalha-se pela Andaluzia – rumba flamenca, e pela Catalunha – rumba catalana.

Quando bailadas, as rumbas são muito sensuais, alegres e contagiantes. São, por vezes, associadas a rituais de fertilidade. A rumba flamenca tradicional continua a ter o domínio da bailaora, que normalmente dança sozinha. Enquanto cante, só começou a ser conhecida por volta dos anos 40, divulgada através dos ciganos da Catalunha.

Uma das características da rumba catalana é a técnica do toque, conhecida como “ventilaor”, inventada por Antonio González “El Pescaílla”. Consiste numa síntese das estruturas musicais cubanas, acompanhada quase sempre pelas palmas e percussão.

E a frase rítmica base da Rumba – LO COMPÁS:

1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4

Potente, não? Apesar disso, a rumba é considerada pelos especialistas do flamenco como um género menor… Por lhe faltar a autenticidade e a profundidade genuína do flamenco. A jondura!!! Paradoxalmente, tornou-se o símbolo universal do flamenco e a sua principal atracção turística.

Pois eu não sei… Especialista não sou. Não sendo o meu palo preferido, ainda assim gosto de bailá-las. E dos Ojos de Brujo, catalães, gosto de todas! Deixo-vos com uma das rumbas dos ODB, que até no nome transporta a essência da rumba catalana: “Ventilaor Rumba-80”. E se alguém souber o que significa o “80”… Pués que me diga! Que la curiosidad me mata!


*Ver “A Compás – O Fandango”, de dia 28 de Outubro de 2008.



E ahora… 1, 2, 3, chuta! Ese! Titititititi… Saltito pra trás e vuelta! Com salero!!! Vamo’ya! Olé!!!

Acompanhar com mojitos! ;)

Ojos de Brujo – “Ventilaor R-80”

Música original:

http://www.imeem.com/eduardo8leao/music/mQQow0d1/ojos_de_brujo_ventilaor_r80/

Versão ao vivo – vídeo:

http://www.veoh.com/videos/v7079278bmDC8a3

Si este mundo anda perdío
Y no encuentras la razón
Échate una buena rumba y baila! Baila! Baila!
No pa olvidar, sino pa llevarlo mejor escucha!!!
La mochila que llevamos
va cargaita de piedras
del abismo ya nos viene
esta mala condición
sólo nos queda la rumba
y una buena bulería
un bailecito por tangos
y el cante del Camarón
a belembembé a belembembá
tímbero suena la rumba
tímbero suénala ya!!!
Tímbero!!!
Tímbero!!!
La mochila que llevamos
Va cargaita de piedras
Del abismo ya nos viene
Esta mala condición
Sólo nos queda la rumba
Y una buena bulería
Un bailecito por tangos
Y el cante del Camarón
A belembembé a belembembá
Tímbero suena la rumba
Tímbero suénala ya!!!
Tímbero!!!
Tímbero!!!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

As Araquerar pelas Araquerar: "Para mim...

... é o terror do palco...

Eu gosto de vos ver dançar...

Eu gostaria de poder participar nas Araquerar, mas tenho primeiro de me tratar: tenho fobia ao palco... Fico muda, rígida que nem um bacalhau seco...

Acho-vos uma pilha de graça, criaram cumplicidades inimagináveis entre vós, são pessoas tão diferentes entre si mas é muito bonito de ver o que conseguiram construir... Uma cultura de grupo... Uma identidade! E muita diversão...

... O que vocês conseguiram fazer umas às outras é lindo!

Parabéns!

E continuem que eu cá estarei para lhe bater as palmas com inveja...Olé!


Besitos!"


Myrna



quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

As Araquerar pelas Araquerar: "Como sou de poucas palavras...


... vou só dizer uma coisita:

LIBERDADE!

É o que eu sinto quando estou a dançar."

Joana Arnaut


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

As Araquerar pelas Araquerar: Muito mais do que bailar sevilhanas

"Era só para aprender a dançar sevilhanas. Algo que queria fazer há que séculos. As desculpas do costume, da falta de tempo, dos horários…blá…blá…

As aulas da Sónia foram ‘descobertas’ pelo meu marido. Numa tarde de sábado levou-me ao ginásio MSport para saber informações e falar com a professora.

Assisti à aula, encantada com as alunas a dançar de saias compridas e flores na cabeça. A professora baixinha e vestida de preto, explicou-me que em Setembro iria começar com uma turma de iniciadas. Aconselhou-me a comprar uma saia e sapatos próprios para dançar flamenco e sevilhanas. Despedi-me com votos de boas férias e com a promessa de me inscrever em Setembro.

Na primeira aula lá estava eu, com espírito de arranque de ano lectivo, e vestida com uma mega saia preta com dois folhos, de sapatinhos de salto e com piquinhos na sola.

No fim da primeira aula saí toda entusiasmada e com aquela sensação maravilhosa quando começamos a aprender algo novo. Isto vai lá…é preciso é ter calma.

Um mês depois o balanço era aterrador. Os meus pés não obedecem e afinal Darwin tem razão…porque a elegância com que tentava dançar era próxima à de um orangotango. Caramba! E eu que gosto tanto de dança… A coisa não ia lá. Mas forreta como sou e com o dinheiro que tinha gasto na Ballet Etc com a fatiota que estreei no primeiro dia de aulas, jurei a mim mesma que só desistia depois de romper os sapatos e a saia. E até lá, alguma coisa iria aprender.

No meio destas batalhas internas fui metendo conversa com a professora, com as outras alunas. Fui-me ambientando.

Um dia perguntei à professora como é que tinha surgido o gosto pelo flamenco. Se era filha de espanhóis ou se era cigana. Com um sorriso meio tímido, meio orgulhoso e olhos a brilhar respondeu: “Sou cigana”.

Fiquei fascinada. Contei ao meu marido mal saí da aula que a minha professora era cigana e fiquei hiper-curiosa (sou muito cusca e até faço disso profissão). Qual seria a história desta cigana que me ensinava todos os sábados a sua cultura através da dança?

A partir daí comecei a olhar com atenção para ela e não apenas para os pés para aprender a dançar a 1.ª sevilhana. Não correspondia a nenhum dos estereótipos que a comunidade dominante (uma expressão que aprendi a usar com ela) tem dos ciganos e das ciganas. De facto tem uns cabelos bonitos como sempre associamos a todas as ciganas. Mas de resto é tão parecida com as pessoas da sua idade e que não são ciganas. Conduz, trabalha, cuida-se, arranja-se… E mais do que isso, empenha-se em melhorar as condições de vida das suas gentes. E vem até à comunidade dominante, dar a conhecer a sua arte de bailar. Este mesmo baile que Espanha adoptou como seu. Aproxima-se de mim e faz-me chegar até ela, à sua gente, dá-nos um nome romani para nos reunirmos à volta da sua dança e da sua cultura.

O que era para ser um hobbie acabou por ser muito mais do que eu esperava de umas aulas de dança. Gosto de fazer parte das Araquerar por muitas razões. Pelo bem que me faz dançar, pela cumplicidade, por reunir pessoas tão diferentes umas das outras. Mas o que me fascina neste grupo de mulheres lideradas por uma professora cigana é a oportunidade de conhecer muito mais do que o flamenco, essa arte tão difícil de dançar, porque nos pede que o façamos com alma, coração, força, desejo, pés, braços, corpo, tudo o que temos dentro de nós!"

Isa Amaral

sábado, 29 de novembro de 2008

Camino Interior


E esta podia ser a banda sonora da história anterior...



http://www.youtube.com/watch?v=WT_zy9yQK2w


Camino Interior - Chambao

Temores, suspiros, quebrantos
que traen el llanto
Deseos,
esa extraña fuerza que me povoca, aaayayay!!

Palabras,
Que se las lleva el viento y son de mi boca
Pensamientos malos que me envenenan
yo quiero librarme de esta condena

Y encender esa luz
que llevamos dentro...

Destellos, conectan lo puro
que llevo dentro

Sonrisas
calor y dulzura pa mis adentros ooayayay!!
Miradas, que rozan la punta el entendimiento
pensamientos puros queme liberan
lleno de bondad y buenos sentimientos

Y encender esa luz
que llevamos dentro...

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Brigada da Peuguinha


As ciganas são vaidosas. O flamenco faz bem à auto-estima. Ouço muito a primeira frase dita pelas próprias mulheres ciganas. A segunda é a minha Professora Sónia que diz. Também ela cigana. E vaidosa…

Dançar flamenco exige esforço, coordenação, sentido de equilíbrio, concentração. Lembro-me que após o aquecimento na minha primeira aula estava pronta para ir de férias para um qualquer resort. E que no final duvidava seriamente se teria aquilo que se designa por “esquema corporal” e “dominância lateral”, que se adquire pelos 4, 5 anos: esquerda, direita, esquerda, direita… Estas competências são trabalhadas em aulas de flamenco, mas também na natação, no futebol, na ginástica,…

Mas bailar flamenco é muito mais que aprender uma coreografia. Não se baila flamenco porque se contam passos, mesmo quando falamos de sevilhanas, que parecem ter uma estrutura mais aritmética. O flamenco é uma cultura e isto significa que é preciso interpretar, apreender, assimilar, viver, sentir. E, por isso, apesar de termos o mesmo tempo de aulas e de aprendermos as mesmas coreografias, eu nunca conseguirei dançar a “Sarandonga” para lá do mero contar de passos. E quando danço a “Paloma”, posso enganar-me em quase tudo e ainda assim corro o risco de ouvir a Fiona dizer-me “morre!”.

E temos a coordenação motora e o sentir a música. Mas para entender as minhas duas primeiras frases ainda falta explicar outra coisa. Mais complexa e mais demorada no tempo.

Bailamos em frente a um espelho. Os primeiros meses com os olhos cravados no chão. A vergonha de olharmos em frente, para nós próprias. A aceitação do que o espelho nos devolve chega devagarinho. E a imagem devolvida vai muito além da imagem física. A segurança naquilo que estamos a fazer, a expressão da nossa forma de pensar e viver o mundo. A expressão interior, a sensualidade. O nosso EU a aceitar-se, a ganhar confiança e a enfrentar novos desafios.

E depois começamos a bailar a pares. Gostamos de nós mesmas. E o Outro vai aceitar-nos como somos? Os olhos cravados no chão ou num braço ou no rodopiar de uma saia. Mais lentamente, a relação a construir-se, a harmonizarmos movimentos, a interpretar a música. Num mesmo sentir. A aceitação do Outro, porque o Outro também nos aceitou a Nós.

Os espectáculos. A sedução já não se dirige para uma imagem num espelho, não é um “namoro” com o par que está à nossa frente. É num palco. O público com os olhos cravados em nós. Nós com os olhos cravados no chão. E o medo de não gostarem de nós volta. O processo reinicia-se, como se estivéssemos em frente ao espelho. E devagarinho aceitamos o desafio: encantar o outro que não conhecemos.

E o processo de encantamento com o flamenco e com o nosso Eu, e a forma como vamos seduzindo o Outro e o Outro nos vai seduzindo a nós, a lembrar-me o caminho no qual nos deixamos envolver pelo Outro diferente de nós, de outra Cultura. Pela descoberta, pela aceitação da diferença, pela sedução, pelo prazer, pelo afecto. Mais uma vez.

E estes caminhos interiores que vamos percorrendo são, em primeiro lugar, visíveis por fora.

Todos os espectáculos das Araquerar têm a sua história, especialmente pelos momentos que se vivem nos camarins, antes da entrada no tablao. Mas há um momento clássico, que se repete em todos, que acontece quando a nossa Professora desespera connosco e grita num desabafo: “Eu não aguento! Eu vou desistir!!! Vocês dão cabo de mim!”.

Dizia isto nos primeiros espectáculos, porque resistíamos à maquilhagem, à saia garrida, ao cabelo apanhado e colado com gel. Disse-o quando num desses espectáculos, uma de nós resolveu levar pezinhos de mousse, em vez das collants de seda que brilham com as luzes do palco. E nesse dia o desabafo saiu-lhe mais dramático e em desesperança: “Isto parece a Brigada da Peuguinha!!!

E hoje repete o lamento porque as suas duas mãos não chegam para nos ajudar na maquilhagem, para agrafar a infinidade de ganchos e elásticos aos cabelos rebeldes… Porque naqueles momentos que antecedem a avaliação do nosso Eu pelos Outros anónimos, a esmagamos com mil e uma dúvidas sobre a imagem que vive no nosso espelho mental.

E a culpa é dela. E a Sónia sabe-o. Porque nos seduziu. Porque nos ampara a construção do EU. Que ainda não acabou. Porque ela diz muitas vezes que o flamenco faz bem à auto-estima.

E isto reflecte-se nos cabelos, que crescem até limites nunca antes vistos e que são quotidianamente penteados com os dedos, num gesto de auto-sedução. Os cabelos longos ou à “heavy metal”, teimosamente colados à cabeça com gel e ganchos, em dias de espectáculo.

E também nas orelhas que se furam para podermos usar argolas. Ou nos périplos que fazemos pelo Martim Moniz até encontrarmos os “castiçais” azuis turquesa, exactamente da cor da risca da saia. Ou nas unhas que antes só admitiam o verniz transparente ou branco, e agora sentimos as mãos despidas sem o “vermelho love”. E ainda nas calças de ganga, peça fundamental do guarda-roupa sem a qual não nos sentimos nós próprias, a ficarem esquecidas nos cabides e a serem substituídas pelas saias coloridas.

O flamenco faz bem à auto-estima e isso vê-se por fora. Mas sente-se por dentro. As ciganas são vaidosas… Difícil seria não o serem!


(Esta história é para as Araquerar. Pelo caminho percorrido. Pela vaidade de sermos NÓS! OLÉ!!! E fica aqui mais um desafio: que tal enviarem-me fotografias, para eu não ficar sozinha ali em cima? É que tenho vergonha, ainda...)

Edição Fotográfica: Cromo do Espaço (Gracías!)



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Um Espaço Aberto... Fechado?


Costumo contar a história do Espaço Aberto dizendo que tudo começou com um frigorífico. Em 1998, duas educadoras pediram-nos ajuda para comprar um pequeno frigorífico para guardar os lanches das crianças que frequentavam o Centro de Animação Infantil e Comunitário da Bela Vista (CAIC).

As dinâmicas geradas pelo CAIC com as famílias e com a comunidade, de “portas abertas” em acolhimento permanente, fizeram daquela instituição um espaço privilegiado de entendimentos entre educadoras, crianças e famílias. Não é por isso de estranhar que fosse sobretudo a comunidade cigana a procurar o CAIC, confiando a educação das suas crianças às educadoras que lá estavam. As mães a ficarem mais um bocadinho, a pedirem ajuda para decifrarem os códigos das cartas que recebiam pelo correio, enviadas pelas entidades que nos “organizam” a vida. As mães a ficarem na conversa, antes de voltarem para a rotina do “amanhar da casa”.

Neste entrelaçar de relações que perduravam no tempo, os irmãos mais velhos iam ficando pelo CAIC, depois das aulas. E por isso, quando nos pediram ajuda para comprar um frigorífico, as educadoras pediram-nos também ajuda para encontrar respostas para estas crianças, que não tendo idade pré-escolar, continuavam a exigir um espaço de brincadeiras e afectos. Nascia o Espaço Aberto.

E com a então estagiária de animação sócio-cultural Teresa, começámos a dinamizar actividades, a conhecer as crianças, a perceber a teia de relações familiares. Começámos por partilhar o espaço com o CAIC. Em poucos meses conseguimos um espaço próprio para as actividades, mas sempre de mãos dadas com o CAIC. Recordo desta altura o meu assombro com a facilidade com que crianças de culturas diferentes conviviam num mesmo espaço, gerindo territórios e conflitos. Subtilmente. A exclusão entre uns e outros, gerida com mestria. A presença de todos mas separados. A multiculturidade ali. A transculturalidade ausente.

A descoberta de um sem número de crianças que com 9, 10 anos não frequentava a escola, fez com que um grupo de pessoas apresentasse em 1999 um Projecto, financiado pela União Europeia, que consistia num centro comunitário de tempos livres, mas com um funcionamento assente não numa inscrição, mas na vontade de participar. Associado a este centro, uma turma de currículos alternativos de 1º ciclo, alunos que aprenderiam as competências básicas escolares fora da escola, enquanto brincavam.

Este caminho foi construído com o Instituto das Comunidades Educativas (ICE) e com a Myrna, com o CAIC e com as educadoras Cristina e Teresa, com as professoras Cristina, Dores e Clara e, pasme-se!, com o nosso Ministério da Educação, pelos então CAE e Recorrente (e a magia da professora Conceição a abrir a caverna do Ali Babá). Quando no início de Setembro de 1999, andávamos a contactar as famílias para inscrever os alunos, uma menina cigana responde ao meu desafio para integrar a turma de uma forma inesquecível: “Ayyy… Então pra quêi? O mundo vai acabar no ano dois mili!!!”. Ainda hoje procuro a resposta para lhe dar…

Mas o mundo não acabou e durante um ano lectivo, enquanto decorriam actividades de tempos livres, uma turma de sete alunos (6 de etnia cigana), rapazes, aprendia a ler e a escrever. Para tirar a carta de condução, uns, para terem uma vida melhor, outros. Recordo o Floriano, teria os seus 10, 11 anos, tinha largado a escola há muito. Não sabia uma letra. Em dois meses, aprendeu a ler e a escrever. Hoje, já casou e tem filhos. Ter passado pelo Espaço Aberto não o impediu de ir para a venda, ganhar a vida. Mas os filhos do Floriano, quem sabe? E hoje, quando o encontro de tempos a tempos, o respeito mútuo, a inscrição de uma experiência diferente na vida de cada um de nós. Ele a dizer baixinho aos familiares, nas filas do ferry, “a ela não vendas, foi minha professora”. E eu a falar dele em todos os colóquios e encontros quando me convidam a botar discurso sobre estas coisas da Educação.

E os ateliês num novo espaço. Mais distante do CAIC, mas o cordão umbilical a resistir ao corte. Os ateliês de expressão dramática, de sombras chinesas, de malabarismo, de pasta de papel… As festas nas escolas e os chaborilhos a ensinarem os lacorilhos. A serem valorizados por aquilo que sabem fazer. As festas comunitárias… As famílias a ajudarem a construir o espaço. A serrarem prateleiras, a pintar salas. A fazer bolos. O descobrir de uma comunidade. Solidária quando se sente envolvida. E os animadores a (re)inventarem a animação comunitária. A Catarina, a Ana, o Marco, o Cachucho… E o Ivo, homem dos sete instrumentos, disponível para tudo. O noivo, segundo a vontade da Mima.

Foi uma experiência difícil mas para uma vida. Eu, sem perceber fosse o que fosse de “culturas institucionais”, movida apenas por um Duende que me fazia acreditar que aquele era o caminho. Em 2000, os assaltos às gasolineiras e o “caso Lídia Franco” põem o Bairro Azul da Bela Vista na Comunicação Social. Pelos piores motivos. O estigma, o estereótipo, a minarem a auto-estima de uma comunidade já de si fragilizada pela exclusão. Começámos a ter problemas com a vizinhança, não cigana. O espaço constantemente vandalizado. Os preconceitos e a xenofobia a regressarem em força. Fechámos as instalações. Não fazia sentido continuar contra a vontade da comunidade envolvente.

Abandonámos as instalações mas não abandonámos a ideia. Não temos um espaço, fazemos na rua! E começámos a fazer actividades no meio dos pátios dos Bairros. No chão. Com quem aparecesse. E apareceram muitos! Nunca tinha imaginado existirem tantas crianças e jovens na rua, sem ocupação. Fizemos actividades no Bairro Azul, numa altura em que se ouvia na televisão que era impossível lá entrar! Dominado pelos gangs, diziam…

Construímos uma baleia gigante em esponja, símbolo de uma nova etapa. Andou connosco para todo o lado, a dizer que continuávamos ali, até apodrecer. Fizemos Capoeira. Fizemos música com latas e contentores, pedinchados na construção civil. Contámos histórias a quem nos quis ouvir e construímos puzzles que se viam do céu. Com o Domingos Pedro, a Vera, o Pedro, a Patrícia e a Andreia. Com o Teatro do Elefante, a PédeXumbo, os Blábláblá. A Telma de dossier na mão a sinalizar os presentes e a descobrir “bairros” até então invisíveis. A Filipa a embrulhar saquinhos de bolachas e a esconder tesouras nos bolsos, a descobrir-se…

E o Chico. Uma criança com uma história de vida muito difícil. Traumática. A dar-nos que fazer, a dar sentido ao estarmos ali: foi esta a profissão que escolhemos! A Ana Maria a desdobrar-se em telefonemas para procurar soluções. O David a aprender a ser Professor. A ter um teste à altura e a passar com Bom Mais! A criarmos uma rede de entendimentos com o professor, o Amílcar. O Chico, a testar o funcionamento das Instituições. Estas a chumbarem…

E com a Animação de Rua o caminho da transculturalidade a desenhar-se em frente dos nossos olhos, no chão sujo dos Bairros da Bela Vista. As diferentes culturas a partilharem saberes e sentires. No meio da rua. Pela dança. Pela música. Um Espaço Aberto a todos. E para todos.

Em 2002, o financiamento acabou. Acabou o Espaço Aberto? Não. Os Senhores que Mandam no Mundo ainda tinham qualquer coisita para dar. Fizemos obras na antiga escola primária do Bairro. Preparámos o espaço para nos acolher. O Espaço Aberto e o CAIC juntos, finalmente. Num espaço com laboratório de fotografia, sala multimédia, ludoteca, sala de dança, tabela de basquetebol… Em Outubro de 2005, o Mundo era nosso! E ninguém nos tinha dito que ia acabar, vítima de alguma conjugação cósmica manhosa…

A Educação para a Cidadania, num espaço com condições para a acolher. A Participação Cidadã, num espaço com condições para a promover. Sem inscrições. As crianças e jovens a participarem pela vontade de participar. E os ciganos, mais uma vez, a encontrarem naquele espaço, um espaço deles. De acolhimento. De entendimento. De afectos e de comunicação. E a transculturalidade a espreitar. Os diferentes sentires e saberes a serem escutados e incluídos. Pela mão da Débora, da Susana, do Pedro, do Miguel, do Luís, do Vítor, da Maria do Céu, da Myrna, dos Momentos Mágicos, de estagiários e voluntários (sei o trabalho que desenvolveram mas não sei o nome de todos, por isso não escrevo de nenhum, e peço desculpa por isso).

É neste contexto que nascem as Gipsy Stars, contadas na história anterior. São lançadas as sementes para um outro trabalho com as famílias. A educação das meninas ciganas. A emancipação da mulher cigana. Pontes construídas. Espaços de entendimento. Através da Fotografia trabalhámos a questão de género. Fizemos uma exposição. As mulheres a dizerem o que pensam. Para toda a gente ouvir. E reflectir.

A Educação para a Cidadania e a Revolução Portuguesa. O que significa isto para cada cultura. Para uns a liberdade de poder dizer o que se pensa. Para outros, o fim de uma guerra colonial. Para os ciganos, a liberdade chega devagarinho… E esta não é a Cidadania que se aprende nas escolas. Não é o saber do Hino. Não é o reconhecer da Bandeira. Não é o conhecimento dos Direitos e Deveres, papagueados pela Constituição.

É a Cidadania do vivido e reflectido. Do questionar permanente. O que é isto para cada um de nós? O que é para os outros? Como se constrói? O que posso fazer eu para mudar o espaço que me rodeia ou o outro lado do planeta? O que me podem exigir a mim? A Educação para a Cidadania, construída e reflectida a partir do vivido, pela comunicação com o Outro, pelo afecto. Pelo INFORMAL.

Em 2007, o CAIC acabou. Sinal de um sistema educativo em mudança. O burburinho de que acabariam os centros de tempos livres a tornar-se ensurdecedor. As crianças cada vez mais ocupadas nas escolas. Fechadas. Em actividades, atrás de actividades. Formativas. Formais. A explodirem nos recreios de 15 minutos. Em escolas que não foram pensadas para dinamizarem esta diversidade de actividades. Os recursos humanos insuficientes para gerirem aulas, actividades de enriquecimento curricular, recreios, apoios ao estudo…

Os professores a desdobrarem-se em tarefas que ultrapassam, e muito, aquela que é a sua missão, aquele que é o seu horário de trabalho… A motivação, a energia… Onde estão? A manifestarem-se contra. Cento e vinte mil… Enfim! Se calhar tinham de ir todos para que o Ministério considerasse válidas as suas reivindicações. Quem faltou?

E os ATLs a fecharem, os centros comunitários a procurarem estratégias de sobrevivência. Em nome de quê? Para quê? Para que crianças de 6 anos possam pronunciar com o melhor sotaque de Yorkshire “I like yellow”? E a Educação para a Cidadania, onde fica? O conhecer o Outro? Ou nós agora conhecemos o Outro pelos manuais escolares? E o Mundo? Conhecemos o Mundo através de um link no Magalhães?

Não sei o que vai acontecer neste futuro próximo. Se calhar o mundo vai mesmo acabar… Um Espaço Aberto… Fechado? Não, porque o Espaço Aberto nunca foi um espaço físico. Foram as Pessoas que o construíram, ao longo do caminho, aproveitando os “corredores de liberdade”. Um espaço de afectos e ideais. Um ACREDITAR.

E choro. E o direito de chorar ganhei-o com dez anos de trabalho. A ver as mudanças acontecerem, pela mão da Educação Informal. Suponho que o Direito ao Choro ainda não tenha sido proibido pelo Ministério da Educação. A menos que, por serem artesanais, estas lágrimas tenham sido proibidas pela ASAE!


E mais uma vez uma música. Fora do universo Flamenco. Uma música, um poema, um poeta-cantor-músico, que dispensam apresentações. Para mim, pelo menos. Uma música, que parece estar outra vez actual… (não consigo encontrá-la na net, mas não desistam de ouvi-la)


"Tinha uma sala mal iluminada" (Zeca Afonso)

Tinha uma sala mal iluminada
Perguntavas pelo amigo e estava a monte
A fuga era a última cartada
A pide estava ali mesmo defronte

As vezes uma dúvida rondava
Valia ou não a pena o que fazias?
Se alguém caía um outro alevantava
O tronco que tombava e renascias

A velha história ainda mal começa
Agora está voltando ao que era dantes
Mas se há um camarada à tua espera
Não faltes ao encontro sê constante

Há sempre quem se prante à tua mesa
Armado em conselheiro ou penitente
A luta agora está de novo acesa
E o caminho é só um é sempre em frente

Perdeste a treino falta-te a paciência
Ouviste antes do tempo mil fanfarras
Já os soldados fazem continência
Ao som do choradinho e das guitarras

A velha história ainda mal começa
Agora esta voltando ao que era dantes
Mas se há um camarada à tua espera
Não faltes ao encontro sê constante


quarta-feira, 12 de novembro de 2008

As Gipsy Stars




"Se na'bailas bem, mato-te!", dizia uma das mães para a sua chaborrilha, sorrindo, à entrada do autocarro que levaria as Gipsy Stars pela primeira vez à Feira de Sant'Iago. Estávamos no final de Julho de 2006.

O grupo tinha nascido meses antes num centro comunitário do Bairro - o Espaço Aberto, no ateliê de Danças Orientais. Um grupo de meninas ciganas, encantadas com as novelas do Clone e as Shakiras da televisão. Chaborilhas a aprenderem uma arte que fazem como ninguém: dançar!

E a Professora a preencher-lhes o imaginário infantil, com histórias das Mil e Uma Noites, qual Xerazade, a mostrar-lhes por artes mágicas a voar no tapete dos sonhos. Mas ao contrário da Xerazade do Livro que contava histórias, esta a escutar-lhes as histórias.

As chaborilhas numa idade em que o corpo se transforma, em que o sentir é outro... As chaborilhas transformadas em Jasmines, a sentirem curiosidade e a perguntar pelo primeiro beijo do Príncipe Aladino. E uma Professora a ensinar os shimins e os infinitos das Arábias, a espalhar moedinhas de cintos, a espalhar afectividade. E a construir uma relação de cumplicidade que chegaria às famílias. A confiança, a educação transparente. Informal. A construir pontes entre duas culturas. A comunicação...

E depois, o desafio. A irreverência, o contestar das regras. Os momentos difíceis. A aflição de não conseguirmos gerir um espaço numa relação de professora-alunas. Elas a desafiarem a autoridade, a impôr a sua vontade num espaço que também é delas. E com isto a dizerem tão simplesmente, como todas as crianças: "Nós gostamos de ti. E tu, até onde gostas de nós?".


Senti isto na pele quando me desafiaram, em 2007, a ensinar-lhes uma coreografia. Aceitei o desafio, arregacei as mangas e ensinei-lhes a primeira coreografia que aprendi com as Araquerar: "Como el agua", do Camarón. Aqui, com a dificuldade: ensinar ciganas a bailar "espanholas". Ensinar o quê, como? Elas que dançam instintivamente, a expressividade ali, com Duende...

E aqueles momentos recordo como do mais puro prazer e aprendizagem. As miúdas a aprender a concentração que exige respeitarmos o nosso espaço no tablao, a aprender a disciplina que exige contar tempos, a aprender o sapateado quase inexistente no improviso da dança cigana.

E eu... A aprender a ensinar. A aprender o quão difícil é explicar um passo. A reapreender para poder explicar: "Eu sei lá como faço isto! Ora deixa cá pensar...". A aprender a negociar o espaço. A gerir conflitos entre elas, o espelho demasiado pequeno para todas. A gerir conflitos entre famílias... A construir afectos. Elas a dizerem-me, sem palavras:
"Nós gostamos de ti. E tu, até onde gostas de nós?".

Fomos bailar à Feira de Sant'Iago 2007, pequenas e grandes, Gipsy Stars e Araquerar. "Como el agua", do Camarón. Num palco. A partir daí, o meu estatuto mudou. Sou aquela que baila espanholas com a "Cigana da Arrentela". Encontro famílias e crianças nos Bairros e o olhar é outro. O meu olhar é outro.

Um dia, passado quase um ano, num outro espectáculo, as Gipsy Stars rodeavam a minha Professora e pediam-lhe para ela lhes ensinar a dançar, ao que ela disse para me pedirem a mim, que estou ali perto. As chaborilhas responderam: "Ela baila bem, mas é payita!". Passado o choque inicial da rejeição, só pensava "ela baila bem..". Miúdas ciganas, que dançam como ninguém a dizerem isto... Senti-me feliz. Payita! Senti-me bem com o nome. Não o larguei desde então!

Depois da Feira outras aventuras aconteceram. Mas ficam para outras histórias! Nesta gostava que ficasse inscrito em vós, o papel dos sonhos. E do prazer. Porque não foi apenas necessário gerir conflitos com as chaborilhas e entre famílias... Como explicar que o que eu fiz é trabalho? Através de uma actividade que me deu prazer, construí relações com uma comunidade. Pontes de comunicação entre culturas. Porque é que o trabalho tem de ser sempre uma chatice?

Hoje passo nas ruas do Bairro e as miúdas vêm ter comigo. Um beijo, cinco minutos de conversa. Nas esquinas, a conversar, as famílias depois dos mercados. A olharem para mim. Diferente. E eu... La Payita... Só queria ser o Ali Babá, agarrar na lâmpada do Génio e esfregar... Conceder-lhes os desejos todos!

(Esta história é para todas as crianças ciganas, e para as Gipsy Stars em particular. Que consigam realizar todos os sonhos, que sonham a dormir ou acordadas... E para a Filipa Matos, Xerazade das Mil e Uma Faces, a que espalha magia...)