terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Sueño y Muero


Na vida, existem pessoas que dão a volta ao mundo. Outras andam às voltas com a vida. E outras, ainda, que dão a volta à vida. Todas elas se vão encontrando, aqui e ali, no mundo.

E é neste tropeçar de uns e outros que vamos crescendo e aumentando. Porque como diz o Exupéry, e vou utilizar a sua magia com as palavras sem confirmar em sites de citações, é nestes encontros felizes que vamos deixando bocadinhos de Nós nos Outros.

Como já o escrevi noutras histórias, é numa sucessão feliz de encontros com pessoas ciganas e não ciganas que me envolvi apaixonadamente pelo Flamenco e pela Cultura Cigana. E já escrevi sobre aquele que foi o meu tropeçar em pessoas como a Myrna e a Sónia.

No mundo e na vida, tropeçamos em pessoas que nos fazem ir mais longe, procurar significados, descobrir sentidos. Naquilo que nos acontece, naquilo que nos desperta a curiosidade. Onde estão os nossos limites? Existem? E isto acontece porque estas pessoas deixam bocadinhos delas em nós. E tantas vezes sem o saberem. E porquê.

A música dos Chambao entrou na minha vida num destes encontros felizes. Ouvia repetidamente os cds das aulas de flamenco. Em casa, no trabalho, no carro. Experimentava e repetia até à exaustão o que aprendia nas aulas. Sabia cada frase rítmica, cada coreografia, cada verso… Ficava à frente nos espectáculos por saber as coreografias e nunca me enganar. Mais tarde percebi que não seria tanto por isto, mas por ser pequenina…

Os Chambao entraram na minha vida e no meu mundo. E aquilo que experimentava em casa e no carro, com as músicas conhecidas das aulas, começaram a ser experimentadas com estes novos sons. Um flamenco diferente… E eu a experimentar. A improvisar coreografias num compás, que me fazia ir mais longe. E a levar este novo flamenco para as aulas. A deixar estes bocadinhos de mim, trazidos por outros, noutros. A ser recompensada pela Professora, no dia em que me diz: “Já brincas com os pés!”. Uma sucessão de encontros felizes…

A música “Sueño y Muero” dos Chambao não será a minha preferida. Mas dá o título à história e vou explicar porquê. Esta música, que deixo no fim, é uma lindíssima história de amor. Que me intrigou pelo título. A palavra “morte” numa canção de amor. A palavra “morte” a cruzar-se, mais uma vez, no meu caminho cigano.

A primeira vez aconteceu-me, ainda no Bairro da Ajuda, numa fase em que iniciava a desconstrução de preconceitos sobre ciganos. No recreio de uma das escolas, uma zanga de chaborilhas. Uma delas a dizer “eu mato-te!”. O meu olhar de pânico deve ter sido tal, que uma delas se apressou a apaziguar-me, explicando que aquilo não significava o que parecia, apenas que estavam zangadas. Ninguém ia morrer!! Fiquei mais descansada!

A palavra “morte”, no mundo dos afectos. Como quando a Fiona me diz “Morre!”, num momento mais inspirado, com Duende. Fui procurar. E nas inúmeras definições que encontrei e que remetem para o fim da vida, para a inevitabilidade da existência, para a fatalidade do Ser, a resposta: “sentir con fuerza”. Apaixonadamente…

E descobri outras coisas. Que no Tarot a Morte significa a evolução, que passamos de um estado para outro, superior. E descobri as pontes que ligam o Flamenco e o Fado. O “sentir con fuerza” e o “destino”. A fatalidade no sentir! A Identidade Ibérica! Dois povos separados por uma fronteira. A sentirem apaixonadamente o mesmo pela vida, pelo mundo.

E descobri tudo isto porque um dia me aconteceu um encontro feliz. Porque deixamos bocadinhos de Nós nos Outros. Mas só crescemos e aumentamos quando nos disponibilizamos para isso. Como diz a Myrna, porque queremos acolher o Outro diferente… E deixamo-nos levar, na descoberta da diferença.

O Flamenco e a Comunidade Cigana não existiam na minha vida. Aconteceram-me. Porque Outros tropeçaram comigo na vida. E o que me queriam comunicar fez-me sentido, sem que eu perceba exactamente porquê. E não há comunicação sem envolvimento (e mais uma vez o Exupéry e até tenho vergonha de estar sempre a citá-lo, mas é daqueles encontros felizes, fazer o quê?). E deixei-me levar, explorando limites, indo mais longe… Num “sentir com fuerza”, num Duende que expressa o que vai cá dentro, bom e mau… Os afectos. Sempre!

E na vida, existem pessoas que dão a volta ao mundo. Outras andam às voltas com a vida. E outras, ainda, que dão a volta à vida. Todas elas se vão encontrando, aqui e ali, no mundo. E porque estes encontros felizes nos acontecem, vamos explorando limites. Porque nos disponibilizamos para o acolhimento da diferença. A dos Outros. E a Nossa. Apaixonadamente. Num sentir com fuerza!

(Esta história é para um “Ex-Best-Miga”. Que encontre aquilo que procura e que, suspeito, está onde sempre esteve… Dentro dele. Hasté!)


Sueño y Muero - Chambao

http://www.youtube.com/watch?v=SwLsW9TMRbw


5 comentários:

La Payita disse...

Não foi escrita com esta finalidade, mas agora que olho para ela pode bem ser a minha mensagem de Natal, Ano Novo, Páscoa…

Quando nos envolvemos, corremos riscos… De nos desiludirmos, das coisas nos correrem menos bem… Mas adaptando o que diz o Eduardo Sá, estamos sempre em risco, em risco de não sermos felizes. Sendo assim, porque não envolvermo-nos? No final, aprendemos sempre qualquer coisa. E crescemos. E aumentámos…

Por isso… Neste Natal, em 2009, para o resto das vossas vidas...

...O que vos desejo são ENCONTROS FELIZES! E que os SINTAM COM FORÇA!!

Besitos, LP. :)

Anónimo disse...

Marcas indeléveis

Ligeiro, vieste
Suave, te entregaste
Fluido, penetraste
Indelével, te tornaste.

Em meu sonho, entraste
Em minha vida, te aconchegaste
E como a onda na areia se espraia
Uma revolução em mim provocaste,
E sem me magoar me transformaste.

Agora, que outra sou
Noutro te tornarei
Nesta dança da vida,
Neste enlaça desenlaça,
Neste redopiar envolvente.

Ainda que ligeira me vá,
Que suave, me despeça
Que fluida, te escorregue
Indelével marquei o teu ser.

Mirna Val-do-Rio

Anónimo disse...

Dançando a Vida

Devagar, devagarinho
(Como quem não quer
Mas no fundo quer muito)
Te foste aproximando,
Te foste aconchegando,
E espreitando
Do canto do olho
Foste adivinhado
O que os meus olhos
Não souberam esconder.
E entrámos na dança
Do ir e vir
Do pegar e largar
Desta doce descoberta
Que é o encanto e a magia
Da partilha de vida.

Mirna Val-do-Rio

catizzz disse...

Olé e um óptimo Natal! Para 2009, que continues o teu caminho, a tua procura, sem medos. E nos entretantos, cá estaremos!

Jakk disse...

dentro de nós, por vezes é o sítio mais complicado de procurar...
E por vezes estamos mais embrulhados connosco mesmo, do que com os outros...