Se me dissessem na minha primeira aula de Sevilhanas que dois anos mais tarde iria bailar à Festa do Avante, não teria acreditado! Mas aconteceu…
As Araquerar foram convidadas para ir bailar à Festa do Avante 2008. Dois espectáculos. O contacto surgiu através de mim, fui eu que tratei de tudo! Assim funcionam Las Araquerar! No dia em que recebi pelo correio uma cartita da Festa do Avante dirigida às Araquerar e a confirmar a nossa participação, assinada pela Dótora do Arraial, percebi que não estava a sonhar. Era a sério!!! (Tenho o bendito papel em cima da mesa da sala, dobrado e desdobrado tantas vezes, quase a rasgar-se, e que vai resistindo às investidas da gata… Vou emoldurar!)
O dilúvio a anunciar o fim do mundo que aconteceu na sexta-feira não fazia prever o fim-de-semana de sol radioso que aconteceu. De propósito para nós, claro! O S. Pedro com vontade de nos ver actuar. Nesse dia não foi possível fazer o sound check, que é como quem diz, ver se o CD funcionava. As aparelhagens em curto-circuito. Logo se vê! Alguma coisa há-de acontecer! Nada que demova Las Araquerar!!!
Sábado, 18 horas, Palco Setúbal. O som perfeito! O palco grande, baixinho. A pedir para saltarmos para a relva em frente, para dançar com o público. Ou para as pessoas virem ao nosso encontro. Fomos uma hora mais cedo para o camarim do Palco Setúbal, um barracão de madeira, relvado. Sem espelho. Lá dentro, o caos! Artistas a despirem-se, instrumentos musicais por todo o lado. As nossas roupas espalhadas. A improvisarmos espaços de maquilhagem. A confusão era tal que quase temi que o grupo de teatro que actuou a seguir fosse caracterizado de sevilhanas…
O espectáculo. Inebriante! Quase perfeito. Um engano aqui, outro acolá. Lembro-me que uma de nós levou à letra o poema do José Régio: “Não sei por onde vou, Não sei para onde vou, Sei que não vou por aí!”. E resolveu inovar o “Caminito”… O público a responder. A invadir o palco e a bailar connosco. Não me apetecia sair do tablao. Por mim continuava… Não há Festa como esta! Olé!!!
Antes do merecido jantar ainda fomos espreitar o Espaço Mulher onde seria o espectáculo do dia seguinte. Ficámos apreensivas… A ladear a entrada da Medideira, em plano inclinado, um espaço relvado, sem palco, sem estrado. Bailar na relva? Impossível! Não se ouve o som dos pés. Os saltos dos sapatos enterram-se, ainda partimos um tornozelo… Então e no alcatrão? Muito difícil, em plano inclinado, no meio da estrada… E agora? Desistimos? Logo se vê! Alguma coisa há-de acontecer! Nada que demova Las Araquerar!!!
Domingo, 16 horas, Espaço Mulher. Fomos uma hora mais cedo para o camarim do Palco Arraial, um barracão de madeira, relvado. Com espelho. Lá dentro, o caos! Tambores, bombos, por todo o lado! Os Pauliteiros de Miranda a dizerem-nos que também lá estavam…
O sítio do espectáculo de Domingo ficava distante do Palco Arraial. Atravessámos metade do recinto da Festa, vestidas com os nossos trajes flamencos. Nos pés, chinelas para não estragarmos os sapatos. Nos meus pés, chanatas do Lago Titicaca, feitas de pneus velhos, que duram uma vida inteira, compradas umas horas antes, a dois euros, que podíamos dar o que quiséssemos, a ajudar os povos distantes dos Andes. A Fiona a contagiar-me… Que não conseguiu comprar umas para ela, enquanto experimentava um avental do Perú.
Só pelo caminho percorrido nesse dia até ao Espaço Mulher, teria valido a ida à Festa. As muitas pessoas a interagirem connosco, nós a corresponder. Os Olés!! de uns e outros pelo caminho… Um cortejo de cor e alegria. A comunicação… As Araquerar! E não há Festa como esta!
Decidimos no momento dançar no alcatrão inclinado da Medideira. Os mastros das bandeiras a rodearem-nos. A música popular portuguesa nos altifalantes. E no Espaço Mulher, a ordem das músicas diferente do CD. Eu, em língua gestual, a entender-me com o Camarada do som. As muitas e muitas pessoas a passarem enquanto dançávamos. A pararem. Algumas a fazerem-nos perguntas, enquanto sapateávamos e braceávamos. As pessoas próximas. O Duende a espreitar… E nós a improvisar as coreografias num tablao também ele improvisado. A primeira música bailei-a em cima de uma bosta. A sapatear “Ay como el aguaaaa…” Aquela já dali não sai, os Camaradas bem podem agradecer-me!!!
A Sãozinha de garrafas de água nos braços… A Dótora do Arraial a tirar fotografias… A Myrna e a Clara a juntarem-se à festa, em solidariedade… O público a improvisar rumbas… De passagem… Senti-me bem… Senti-me cigana! Foi o espectáculo onde mais me senti… Não há Festa como esta! Olé!!!
Já o escrevi antes. Somos um grupo de mulheres, idades diversas, profissões diferentes, percursos de vida distintos. Cada uma com as suas convicções políticas. O que nos levou até ali foram as cumplicidades que temos umas com as outras. E cada uma de nós terá vivido a Festa à sua maneira…
Tenho ido a quase todas. Cada uma delas me marca, por este ou por aquele motivo. Esta Festa foi diferente. Pelos mojitos clandestinos “a La Payita”, aos quais só faltou mesmo o avental. Pelas imagens que guardo da Sãozinha a falar ao telefone da Loja dos Trezentos ou a tocar o pesadelo de um bombo e um gaiato de 11 anos a dizer-lhe “Isto é fácil, já estou habituado!”, com a pronúncia do Norte. O Palco Arraial…
… E as Araquerar. A Fiona a enfiar-se em todas as Feiras da Ladra que encontrava. A Joana a abanar a cabeça, a pensar “estas cotas são doidas!” e a contar os minutos que faltavam para ir ter com os amigos. A Isa, a desdobrar-se numa míriade de Isas para estar em todo o lado ao mesmo tempo e a responder à altura a todos os papéis que se esperam dela (grande Mulher! Olé!). A Carla a preparar-se para uma nova etapa da vida e a não poder sapatear, mas a jalear com tal jondura que a sentimos no palco (ela não bailou, mas os olhos fizeram as coreografias todas!). Eu, a bailar durante dois dias, em qualquer lado, assim houvesse música, fosse qual estilo fosse. E a Sónia… A experimentar a Festa. A observar, a apreender. A ir a tudo. A viver o que dantes vivia pela janela de casa. A vê-los passar…
A Liberdade. Tantas vezes analisada, debatida, sentida, vivida na Festa. Nós a fazermos o mesmo. A liberdade de expressão, a liberdade no nosso país, a liberdade nos países latino-americanos... Cuba, Che, Fidel, Chile, Allende… Eu a contar o que sei… O que penso… O que sinto… E a bailar em qualquer sítio, de improviso. E a liberdade de estar na Festa, depois de muitos anos a ver da janela…
A transculturalidade. A comunicação. O afecto. Uma Cigana a deixar a Festa cantando o Avante Camarada. Uma Payita na Festa bailando de improviso em qualquer lado. E penso… Nunca tive uma Festa como esta!
(Esta história é para a Sãozinha que acredita no que está para lá do óbvio… Uma Mulher de Liberdades. Um Olé! Com Duende…)
11 comentários:
Adorei o post! Só consegui ver o fim do espctáculo de sábado... Festa do Avante com 2 carrinhos de bebé não é fácil!
Um grande Olé para a Conceição!
Só não entendo uma coisa: liberdade em Cuba? devo ter percebido mal...
"A Liberdade. Tantas vezes analisada, debatida, sentida, vivida na Festa. Nós a fazermos o mesmo. A liberdade de expressão, a liberdade no nosso país, a liberdade nos países latino-americanos... Cuba, Che, Fidel, Chile, Allende… Eu a contar o que sei… O que penso… O que sinto… E a bailar em qualquer sítio, de improviso. E a liberdade de estar na Festa, depois de muitos anos a ver da janela…"
Este parágrafo significa tão somente que conversámos sobre diferentes sentidos de Liberdade. O que significa para cada um de nós estará sempre ligado ao percurso que fizemos, à vida que vivemos.
E só entendemos isto verdadeiramente, como dizia alguém num outro comentário, quando atravessamos para o outro lado da rua. E vamos ao encontro do Outro.
É tão somente isto...
Não era preciso tanta explicação! Como é óbvio percebi o contexto mas não resisti à provocação... só isso.
A primeira vez que fui à Festa do Avante fiquei absolutamente deslumbrado com o clima que ali se vivia. Gerações tão distintas lado a lado. Um encontrão seguido de um pedido de desculpa e, muitas vezes, motivo para suficiente para um abraço, um copo e uma conversa.
A música dos quatro cantos do Mundo; o artesanato; etc... Mas acima de tudo, o Espírito. Nunca tinha visto nada assim e ao início andava desconfiado. Mas depois, foi a rendição.
Recordo o encerrar da Festa ao som da Carvalhesa, com uma multidão aos pulos que elevava uma cortina de pó e se fundia nela, naquele momento de euforia, de alegria e de expressão de solidariedade.
Recordo esses bons momentos.
Infelizmente, num ano, o último em que lá estive, houve quem fosse desvirtuar este espírito. E foi a confusão total. O público do palco principal movia-se de um lado para o outro numa gigantesca massa humana, procurando evitar a onda de violência que sobre ela se abateu. Lamentável. Mas apesar de tudo, não apagou da minha memória e também acho que não há Festa como aquela.
O Anónimo do Costume
Como sou de poucas palavras vou só dizer uma coisita:
LIBERDADE!
É o que eu sinto quando estou a dançar.
(Só escrevi porque pediste muito Vanda, e não te quero ver amuada nem triste :D)
Olé Guapa!!!!
Quantas vezes se diz tudo com pouco ou quase nada? ;)
Besitos!
Realmente não há festa como essa!
De sentido, de emoções, de vivências, de experiências, de cheiros...
Pena ainda não ter tido o prazer de te ver bailar. Vou começar a estar atento às actuações. A minha curiosidade aumenta cada vez que leio um post, e nele o reflexo do teu entusiasmo.
Olé para ti!
Há muito anos que não ia à Festa do Avante...Acho a última vez que lá fui ainda era no Jamor! Na Atalaia, fui lá muitas vezes levar e trazer o meu filho e meu sobrinho,mas ficava em casa à espera da hora para os ir buscar. Desta vez, só lá fui para ver as Araquerar...e o que mais me impressionou e fiquei encantada foi ver a Sónia transformada...foi ver o outro lado da Sónia...O sabor da liberdade que ela provou... O que as Araquerar conseguem fazer é essa capacidade de transformação do Outro...Aliás as Araquerar é o produto dessa transformação...! E viva a miscigenação! E viva o "terceiro instruido"...(de Michel Serres)
Um desafio: que a Sónia escreva sobre "A que é que sabe a Liberbade?" (à semelhança do livro para crianças "A que é que sabe a Lua?")
Festa do Avante...
"Fomos convidadas para ir dançar a festa do avante!!" - disse uma Araquerar ainda com o verao a aproximar-se.
(silencio, atmosfera um pouco pesada se fez sentir nas restantes Araquerar)
"Epá Fiona de todas pensei que fosses a que alinhasse mais nisto!" - diz uma araquerar com o sobrolho arqueado.[Nao sei muito bem porque - pensei eu]
(versão adaptada do que aconteceu)
Na altura admito que me causou um certo medo, já tinhamos participado de eventos sociais mas nunca tinhamos demarcado uma posiçao politica acerca do assunto e para mim o Avante sempre foi "a festa dos comunas" ou pelo menos era esta a mensagem que a minha familia me passava...
Nunca tinha ido, mentira tinha passado timidamente uma tarde na festa em 2007, mas nunca me envolvi muito ou percebi o que era aquilo...
Sempre me considerei de esquerda mas nunca me tinha ligado a nenhum partido e portanto estas "manifestaçoes politicas" pensava que me fossem fazer algum tipo de lavagem cerebral e nao era de forma alguma algo que eu ambicionasse...
Em 2008, por coincidencias e influencias de uma certa payita, com a mania que faz mojitos, fui me tornando ainda mais de esquerda e percebendo um pouco melhor o espirito comunista e portanto aceitei o convite e com algum interesse e entusiasmo fui CONHECER o Avante.A companhia também foi a melhor possivel, verdade seja dita, o que acentuou o entusiasmo e curiosidade!
Apercebi-me depois de 2 dias intensos que já cantava e pulava sempre que dava a Carvalhesa sem sentir qualquer tipo de lavagem cerebral e senti uma camaradagem entre geraçoes e avontade que fica muito além do que já alguma vez senti num evento com tanta gente...
Adorei!! Os espetaculos que fizemos foram de longe os melhores, com mais salero e duende acho complicado.Para além disso senti-me mais proxima do meu país, passei a gostar um bocadinho mais dele! Mas vá, para isto nao parecer um comentário no guestbook de um festival, adorei os jantares em Braga e em Viana do Castelo, em que mesmo só vendo carnivoros
à minha volta consegui alimentar-me mt bem, rir muito e ligar-me mais ao grupo conhecendo um pouco mais de cada uma...
Adorei os Mojitos e os piropos aos Pauliteiros, as visitas ás lojinhas das bojigangas e sobretudo a troca de ideias sobre a America latina, para nao falar do grande femalebonding que foi dançar a carvalhesa em frente ao palco principal em comboio!! :P
Parabens pelo post, conseguiste realmente captar muito bem o que foi o avante para o grupo, :), pessoalmente foi algo de muito forte e que me marcou imenso e que dificilmente vou esquecer.
Esta é a visao de quem FOI ao avante aos 22 anos no ano em que a minha vida ficou marcada tanto pelas Araquerar como pelo descobrir da consciencia politica (nao necessáriamente comuna mas com maior aceitaçao)...por coincidencia ou pura escolha estou muito contente por te-lo partilhado com voces!!
(peço desculpa a ortografia e a falta de acentos mas de momento encontro-me a escrever nos suburbios de Londres num computador com certas dificuldades e com algumas limitaçoes de tempo, mas acho que o que importa é a mensagem e isso acho que está perceptivel)
Uma certa Payita com a mania que faz mojitos????? Grrrrrr... Grrrrrr... Ayyyyy quando eu tapanhari, que tou a ver tudo negro!!!
Quanto ao resto... Bem... Não te queria pressionar... eheheheh Se continuas a comentar desta maneira, temos de fazer um blog pra ti! (Eu trato da parte gráfica. ihhihihih Coitada...) ;)
Olé!!! Continua a participar! É uma ordem!!! (lá tá ela...)
Agora que descobri que o jaleo é para dar os nossos bitates...cá vai o meu.
Pois para mim (a Isa que no fim-de-semana se dividiu em 2 ou 3 Isas para não deixar ninguém na mão e não ficar mal no tablao) foi a 1.ª na festa do Avante. E que 1.ªvez! Como 'artista' do CD pirata, a bailar no palco, na rua...olé. Um fim-de-semana inesquecivel.
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