sexta-feira, 12 de junho de 2009

Nómadas

Não sabiam de onde vinham. Mas sabiam quem eram.

Desde que se recordavam, sempre tinha existido.

Desde que se recordavam, o mundo era a sua casa, mas a sua morada não residia em parte alguma. Empurravam-na consigo pelas paragens do Destino. Pelas paragens, onde paravam mas não permaneciam. Empurrados ao sabor do vento, movidos por um desejo de Liberdade ou, simplesmente, pelas vontades daqueles que não os deixavam ficar.

Foi assim que conheceram as planícies. Atravessaram cordilheiras. Desceram aos mais profundos vales. Subiram às altas montanhas e aproximaram-se dos céus. O mesmo céu companheiro que lhes dava cobertura. Dia após dia. Noite após noite. O céu por cima de si. Os trilhos vincados deixado atrás de si. Marcas deixadas pela roda da Fortuna. Marcas de quem vive no improviso dos dias não planeados. De quem vive ao sabor da corrente dos rios onde se banham as crianças, enquanto as mães lavam o pó da estrada das roupas, que ainda deixam adivinhar as cores vivas que um dia tiveram.

Quando se detinham em alguma parte, faziam desse local transitório a casa que não chegava a ser, a pátria que não chegaria a ser. A sua pátria é maior do que qualquer fronteira geográfica e temporal. A sua pátria é em toda a parte e em parte alguma. E por isso se sentem sem ela e a sentem a cada instante, porque ela é onde eles estão e onde estão aqueles que amam.

As noites iluminadas pelo luar, aquecidas pela fogueira e animadas pela música. Entrançadas nos seus acordes, cantam-se as histórias de quem não escreve, mas que transporta consigo todo o seu povo. Cantavam e dançavam. Aplaudiam a vida na sua dupla face, Alegria e da Tristeza. Palmas que marcavam o ritmo da vida. Que incitavam à sua dança perpétua.

Essa era a sua força. Não sabiam de onde vinham. Mas sabiam quem eram e de tudo faziam para nunca o esquecer. Porque sempre tinham existido e sabiam que iriam existir para sempre. Enquanto houvesse um céu sobre si e uma estrada a percorrer.
História penada por James Starfield

4 comentários:

myrna disse...

Encontraste alguém que escreve tão bem como tu! Já pensaste em publicar as estórias penadas da Payita? Terias futuro como escritora... Olé para ti! E, estranhamente, ou talvez não, alguém anglo-saxónico, presumo pelo nome, tal como o Jason Webster que escreveu Duende... É significativo o fascínio que os povos do mediterrâneo - povos quentes - exercem sobre os povos do Norte, ditos povos frios...É a diferença entre policronismo e monocronismo, tal como o antropólogo americano Hall o descreveu... Afinal, os Ciganos, são tão mediterrâneos quanto nós...Já os Córsegos tinham "inventado" a vendetta... similar aos "contrários"... e muito mais temos em comum... basta olhar para nos mesmos...

myrna disse...

Venho pedir desculpa por me ter precipitado no meu julgamento: descobri que o James Starfield é um pseudónimo de um blogger português...e não anglo-saxónico como o seu nome indiciava... Pois, dá que pensar... muitas coisas...uma delas é porque é que as pessoas se escondem debaixo de um pseudónimo, ainda por cima estrangeiro... No caso do Tiago, versus Álvaro Cunhal, ainda percebo, porque tinha de fugir da PIDE... Mas nós estamos em liberdade (ainda)...! Não entendo... Mas pronto, não retira o facto de eu me ter precipitado no meu julgamento, no meu pré-conceito, no meu esteriótipo. É disso que se trata neste blog da La Payita: desmontar esterióticos e preconceitos...Por outro lado, queria também emendar a palavra "córsegos" para Corsos: obviamente que me enganei...A "vendetta" vinda da Sicilia, ilha próxima da Sardanha e da Córsega, é algo que "está" no "sangue" e na "alma" - mais uns esteriótipos - tanto dos italianos como dos franceses, habitantes dessas ilhas... E tanto um país como o outro, têm maltratado os ciganos - chamados roms... Se bem que nós também não tenhamos sido muito melhores para com este povo, diga-se, em abono da verdade. Para saber melhor sobre este povo dito "nómada" aconselho-vos a visitarem e lerem as fichas de história e cultura do povo rom neste site do Conselho Europeu http://www.coe.int/t/dg4/education/roma/histoCulture_fr.asp... Muito instrutivo... Serão nómadas por escolha de vida e dinâmicas internas (os contrários), ou serão forçados a serem nómadas por terem sido, secularmente, expulsos de todo o lado por onde passaram? Ou ambas as situações? Vá-se lá saber... Mas uma coisa é certa, uma vez cidadãos de um país, têm tanto direito como os outros a serem sedentários como itinerantes... ou ambas as situações, sem terem que escolher por uma ou por outra...Numa Europa dita de "Chenguen", não se percebe porque é que há pessoas, sempre as mesmas, a serem perseguidas!

La Payita disse...

Sobre o nomadismo voluntário ou não... Foi o que penei na história sobre o Povo das Estrelas. Também eu, daquilo que tenho lido, me interrogo sobre os verdadeiros motivos que levaram os Ciganos a caminharem pelo mundo durante séculos.

Sobre pseudónimos... Penso que podermos usá-los também é um exercício de Liberdade. E exemplos de escritores com pseudónimos temos muitos. Basta pensar no Fernando Pessoa.

Eu própria (e não me estou a colocar no mesmo plano do Fernando Pessoa), tenho um blog com pseudónimo ou nick. Quem é La Payita? Vocês que me conhecem sabem. O visitante curioso da blogosfera, não.

Mas o importante, parece-me, não é quem escreve, mas o que escreve.

James Starfield disse...

Peço desculpa se, de algum modo, gorei expectativas acerca da nacionalidade ou qualquer outra, acerca da autoria do texto.

Pseudónimos e a polémica que estes encerram...
Se assim o quisermos encarar, não será muito diferente da multiplicidade de papeis que assumimos, de acordo com os contextos sociais em que nos encontramos. Também aí temos pseudónimos. Também aí assumimos posturas diferentes e adaptadas.
Deixamos de ser quem somos? Não.

Não se trata de esconder o que quer que seja!
Poderia não o ter feito? Com toda a certeza.
Mas, simultaneamente, porque não?!

Felizmente há Liberdade para o fazer, sem a isso sermos obrigados. Muitos foram obrigados a isso, por diversos motivos. Eu não!

O pseudónimo pode surgir um personagem, uma extensão de nós mesmos, com características próprias. Pelo menos este assim o é ou assim o pretende ser. Nada mais. Não tem outra pretensão que não essa mesma.

E não necessitarei de ilustrar com exemplos de pseudónimos e heterónimos associados à escrita, à pintura, etc., que não tinham o objectivo de esconder.
Nomes escolhidos ao acaso, ou não. Em português, ou não.

Mais do que tentarem perceber a autoria, agrada-me mais saber que o que escrevi vos suscite algo, preferencialmente agradável.

Essa é a minha recompensa. E também deveria ser a vossa.