quinta-feira, 14 de maio de 2009

Pedras contra Tanques

A propósito do que tem acontecido nos últimos dias no Bairro da Bela Vista, tenho acompanhado com mais intensidade tudo o que se escreve nos jornais, o que se vê nas televisões, o que se ouve na rádio, o que se publica na net.

Hoje, dia em que esta história é penada, li um artigo muitíssimo bem escrito, quase poético, sobre um jornalista que terá conseguido o impensável: alugar um quarto no Bairro e passar lá a noite, no meio do "clima de guerra" que ali se vive... E à medida que avançava na leitura, percebia pelas descrições minuciosas que aquele profissional da Comunicação Social teria pernoitado em todos os lugares do planeta, mas nunca no Bairro da Bela Vista, em Setúbal.

E perguntei-me porquê. Que prazer retiram os profissionais dos media da leitura parcial da realidade? O que os faz permanecerem horas e horas, dias e dias, num mesmo local, à espera do improvável, da desgraça alheia, da calamidade pública? O que os move?

Nestes últimos dias senti o nosso trabalho suspenso. Atendemos telefones, participamos em reportagens, acompanhamos entrevistas, atendemos telefones, comentamos notícias, estamos presentes em conferências de imprensa, navegamos na net em busca de artigos e vídeos, deixamos o telefone tocar... As coisas acontecem. É verdade. A opinião pública tem de estar informada. É verdade.

Sábado, dois dias tinham passado sobre a explosão de acontecimentos inicial. As carrinhas das estações televisivas estavam estacionadas em permanência junto à Esquadra. O barulho ensurdecedor dos geradores. Ajuntamentos de jornalistas. Ajuntamentos de moradores, na expectativa de aparecerem no pequeno ecrán. Tínhamos uma actividade marcada há muito no Bairro Azul, o "pior", onde ninguém entra. A Comunicação Social foi informada.

Estivemos lá. Num convívio com os moradores. As crianças felizes na brincadeira. Momentos de cumplicidade que faziam pensar que o que assistíamos na televisão eram séries de ficção. Pelo Bairro, ao longe, passou um jornalista. Espreitou, a observar a situação. Mais tarde perguntaria o que fazíamos ali e porquê. Mas nunca a pergunta foi feita no momento, com a câmara a registar o acontecimento. Não interessava. Estava a correr bem. Não dá audiências. E isto também é verdade.

Hoje, as carrinhas desmobilizaram. As "coisas" acalmaram. Não voam pedras. Não rebentam "cocktails molotov". Não ardem automóveis e contentores. Não se vandaliza o património público. Já não interessa. O que os move?

Em 2000, o "caso Lídia Franco" rebenta na Comunicação Social. Os assaltos às gasolineiras projectam, mais uma vez e da pior maneira, o Bairro da Bela Vista na opinião pública portuguesa. Não há miúdo que não apareça nas notícias. Basta demonstrar saber assaltar um carro ou assaltar um hipermercado. Subitamente, os problemas multiplicam-se. Os actos de vandalismo parecem acontecer por geração espontânea. Todos têm direito aos seus 15 minutos de fama. As "coisas" acalmam e um Bairro volta à sua existência fantasmática. Ignorado pela "cidade grande". Ignorado pelo "país pequeno". Injectado com projectos avulso de combate à delinquência juvenil. Ignorado pelas leis de financiamento europeu que promovem a requalificação urbana, a educação e o emprego.

Hoje, a História repete-se. Amanhã o telefone deixará de tocar. E nós continuaremos a fazer o nosso trabalho. Sem financiamentos, sem "mudanças estruturais de fundo", sem vislumbres de transformação nas vidas difíceis que vivem as pessoas do Bairro.

No intenso debate mais uma vez gerado pelos acontecimentos, destaco duas ideias. Entrelaçadas uma na outra. O que motivou os acontecimentos foi provocado por uma minoria, à qual é dada visibilidade e tempo de antena, sem que se discutam verdadeiramente as soluções para os problemas. As causas parecem-me amplamente discutidas e esmiuçadas.

A Maioria Silenciosa? Aquela que vive condições adversas e que ainda assim tem sucesso educativo, emprego qualificado, famílias funcionais... Onde estão os seus mais que merecidos 15 minutos de fama?

A Minoria Gritante? O que os move? Dizia-me uma pessoa do Bairro que o que os move é "o dinheiro fácil", porque "quando crescerem, querem ser ricos". Numa vida que se inscreve na exclusão, no insucesso educativo, na desorientação familiar, o "dinheiro fácil" consegue-se de forma ilícita e violenta.

Olho para os telejornais e vejo as notícias do Freeport, do BPN, do financiamneto estatal da Banca Privada, dos incontáveis casos suspeitos de corrupção de ilustres da nossa praça... E inquieto-me. Não são estes os modelos que transmitimos às novas gerações? O "dinheiro fácil" e a impunidade?

E por isto, e por outras coisas que hoje não escrevo, que ficam para outro dia, é que me apetece subverter o título da história. Virá-la do avesso. Vamos esperar que os telefones se silenciem, que as carrinhas desmobilizem e continuemos o nosso trabalho. Somos tanques, fortalezas de vontades e persistências, resistentes às pedras arremessadas por alguns outros, que não sabem onde pernoitar.

Cá estamos!

(Esta história é dedicada a todos os bons profissionais de Comunicação Social. Que os há e eu conheço alguns. Inclusivé que escreveram sobre o Bairro. E isto também é verdade. Olé!)


Esta música tem sido a banda sonora dos últimos dias. Nem de propósito...


Ojos de Brujo - Piedras vs. Tanques



Ordena ya la casa del alma
no entiende de egoismos, de dineros ni de miedos ni poderes
los vientos, los destinos, los soles y los pareceres
protegiendo a tós los mios de serpientes
corrientes como tú, dejas latente,
akí no hay patente, ni diezmo al hijo de un terrateniente,
ni chantaje, ni víctima en el presente
ni pavos ke van de "guais" pa llenar cuentacorriente
"siente esta es la fuerza de mi gente".

Pajarillos en libertá, somos polvo, somos nada
¡Ay! ke ligerito...
Es mu poco flamenco apuñalar por la espaldo.

Pajarillos en libertá, somos pueblo somos nada.
¡Ay! ke ligerito...

Y el espejo en ke te miras te dirá como tú eres
Y el espejo en ke te vemos nunca miente.
Palabras se lleva el tiempo, actos deciden tu suerte...
Y el espejo mira en lo ke te convierte.

7 potencias, barí y esencia pura nos alimenta
nos enseñaste lo ke es ser pobre de conciencia
akí no hay ciencia!!!
Agradecía??? Siiiii!!!
De los abusos de poder, de los dolores,
desazones y todas las contiendas.
Aún resistimos!! Aún respiramos!!
Las agüadillas ke nos hiciste son en vano.
Como peces en el agua fuera de la red,
un océano, todo el agua se abre a nuestros pies.
Subestimaste a los de abajo
cargan dignidad pa parar un carro.

Pajarillos en libertá, somos polvo, somos nada
¡Ay! ke ligerito...
Es mu poco flamenco apuñalar por la espaldo.

Pajarillos en libertá, somos pueblo somos nada.
¡Ay! ke ligerito...

Paseando aparente riqueza ¡mira! insultante felicidad
señores presidentes el pueblo no quiere batallar más
al frente mande a sus hijos si con armas quiere ganar
akí piedras contra tanques no más cadenas ni un paso atrás.
Escucha este silencio
será tu pesadilla son las voces de mi gente echando el resto
sanando, revolucionan, luchando el presente...

Pajarillos en libertá, somos polvo, somos nada
¡Ay! ke ligerito...
Es mu poco flamenco apuñalar por la espaldo.

Pajarillos en libertá, somos pueblo somos nada...

11 comentários:

myrna disse...

Onde a Vista é Bela


Bairro onde a vista é cega?
Onde o ouvido é surdo?
Onde o sabor é amargo?
Onde o sentir é áspero?
Onde o aroma é enjoativo?


Bairro clandestino
Bairro dominado
Bairro devassado
Bairro rejeitado
Bairro difamado


Foi em ti que encontrei
A força indomável da vida
Foi por ti que aprendi
A escuta sensível do outro
Foi contigo que saboreei
Os olhares sorridentes
As palavras sumarentas
Os gestos eloquentes
Das almas dos teus habitantes


Bairro trilhado
Bairro sentido
Bairro investido
Bairro entendido
Bairro respeitado


Foi contigo que descobri
A harmonia na desordem
Foi por ti que clamei
A energia da paixão
Foi em ti que achei
O sentido da generosidade


Bairro onde a vista é sagaz
Onde a escuta é ladina
Onde o sabor é agridoce
Onde o sentir é autêntico
Onde o aroma é envolvente


Bairro que me edificou
Qual combatente pela paz
Obrigada por me teres acolhido


Mirna Val-do-Rio (2000)

myrna disse...

Como sempre escrito com muita sensibilidade, sagacidade e poesia (pois ela pode também ser uma arma) o teu post fez-me escorrer gotas de água salgada (iguais às lágrimas da "preta" de António Gedeão...).
Há pessoas que só vivem das fragilidades de outras para as calcar ainda mais, como se vampiros ou abutres fossem...
Há pessoas que sobrevivem nas margens da cidade e que nelas encontram o que de melhor o ser humano consegue e sente...
Há pessoas positivas e há as pessoas negativas...
Há os lutadores pacíficos e há os pacíficos lutadores...
Há as pessoas que resistem porque vivem da fé no ser humano e há as pessoas que usam a fé para resistir aos seres menos humanos...
Há pessoas e pessoas, e dentro de cada uma, há dias e dias, noites e noites...
E a injustiça é algo que nos faz revoltar e resistir, para o bem e para o mal, cujo resultado por ser totalmente inesperado...

sãozinha disse...

E as pessoas... 'é que...sabe eu gosto de morar aqui... a gente adapta-se! E agora gosta... das coisas, das pessoas, eu daqui não quero sair´, só se for para uma casa que eu escolha e consiga comprar...' Não escolheu, mas gosta! Porque vive e respira todos os dias como todas as pessoas em qualquer parte do mundo e que desejam ser respeitadas...'porque é que mentem...' que realidade é essa que alguns conseguem ver!
A ficção gosto, a arte admiro, a inteligência e a disponibilidade de conhecer e viver com o outro cada vez mais admiro. E basta olhar, não querer enganar nem olhar para si só!
Continuo inquieta, um pouco revoltada mas reforçada na força e na vontade de continuar. La belle vieux! como só 'ela' sabe ser! um mimo e um desafio constante... também pela paz, ops!

catizzz disse...

Para além da revolta e de alguma tristeza, tenho andado a reflectir sobre tudo o que aconteceu. Toda esta teconologia que nos permite comunicar com tudo e todos contem sérias armadilhas em que a nossa sociedade cai consecutivamente. Nada substitui o frente a frente, a profundidade das relações humanas e toda a riqueza e conhecimento que retiramos delas. Nada pode substituir os nossos sentidos e o que apreendemos através deles. Directamente e sem filtros (a não ser os que temos cá dentro).
A tecnologia e tudo o que dela advém é de facto extraordinário e serve-nos em muitos campos. Mas NADA pode substituir o contacto humano.

catizzz disse...

Reflexão nº2

A ignorância em relação a tudo o que diz respeito à área social é assustadora. Pouca e má informação fazem com que o "comum cidadão" possa ser facilmente manipulado quando falamos de algo que se insere na área social.
Na faculdade madrilena onde fiz o mestrado chamavam aos antropólogos "bichos raros". Olhei para nós nesta situação e pensei: aqui está um belo grupo de bichos raros!
E assim é: os bichos raros de alma e profissão continuam a trabalhar com os bichos raros da vida e tudo isto passa completamente ao lado... a não ser quando algum bicho raro ameaça a serenidade...

Unknown disse...

Payita,

Gostei muito do teu post. Assistir aos telejornais, ler artigos, tornou-se um exercicio de amargo de boca pela vontade de intervir e denunciar a ignorância de quem fala sem conhecer, dessiminando falsas ideias. Concordo contigo quando dizes que são esses os valores que se passam (faclilitismo, materialismo). Mais ainda, parece-me que se está tudo nas tintas para que tipo de valores se passam. Existe muito falso moralismo de fachada cujo unico fundamento é perpetuar o auto-enriquecimento. Mas onde estão aqueles que fazem do exemplo a sua arma? Será que são assim tão eficazes os mecanismos impostos pelos corruptos para os afastar da vida publica e dos lugares de decisão? Tarda nada começo a escrever temas para a revolução...

catizzz disse...

Reflexão nº3

O Medo. Necessário à sobrevivência, é mais um elemento básico da nossa existência passível de manipulação. O medo, escrito nas faces daqueles que nunca abandonaram o seu caminho para olhar os outros. Para perceber, que nas mesmas condições, seriam o outro com certeza e que as distâncias não existem. Está tudo ligado. Estamos todos ligados. Somos todos responsáveis.
Enquanto não percebermos todos este simples facto da vida, nada vai mudar.

catizzz disse...

Reflexão nº4 ou "A ira do povo":
"Ai menina, desculpe lá, Deus me perdoe que eu sou católica e para mim todo o ser humano é igual, mas... uns nascem de boas barrigas outros de más. Sim que eu bem as vejo no café o dia todo a comer tostas mistas. Isto tudo à conta do rendimento mínimo, quer dizer, dos nossos impostos. Não deviam dar dinheiro a essa gente. Elas não querem saber dos filhos, querem comer e beber. Desculpe lá, mas é a pura das verdades, Deus me perdoe!"

Deus lhe perdoe mesmo minha Sra!

catizzz disse...

Reflexão nº5

Ligação directa à Juke:

http://catsjukebox.blogspot.com/2009/05/redemption-song.html

LB disse...

“A caixa que mudou o Mundo”. Creio que assim foi degignada a Televisão. Se não foi, peço desculpa pelo erro. Que não será grave se considerarmos que não se limitou a mudá-lo mas também, e cada vez mais, a moldá-lo.
Sempre gostei de televisão e ainda gosto. Sou um consumidor deste produto no qual ainda reconheço virtudes e potencialidades.
E porque sou um lírico sempre achei que este magnífico meio de comunicação tinha o grato dever e a responsbilidade de cumprir com uma tríade essencial: Informar; Educar e Entreter. E qualquer uma delas, com qualidade. Com a qualidade e respeito que merecem as pessoas que pagam impostos para lhe aceder.
Mas afinal, também se descobriu que é um magnífico meio de moldar, influenciar, desinformar e entreter. Entreter é importante. Quanto mais entretenimento melhor e de preferência, o mais estupidificante possível. Um pouco à laia da máxima romana “Pão e Circo”. E quanto menos pão, mais circo para que se esqueça a fome. Reforce-se o número de palhaços, acrobatas, malabaristas e ilusinoistas.
Ah, claro!, não esquecer os gladiadores e as sangrentas batalhas que punham ao rubro a multidão, quanto mais rubro fosse o espectáculo e mais rubra ficasse a areia da arena.
Mas nós já não estamos no império romano. Estamos no século XXI. Somos diferentes. - Somos diferentes? - Pergunto
- Não sei – Respondo
Olhando para os noticiários interrogo-me. Após o rol de desgraças: assaltos, falências, desfalques, crise (de preferência acompanhados de um rio de sangue), é dado tempo de antena a notícias assaz importantes para a nossa vidinha: as operações plásticas dos “famosos” (que nem sei porque o são, nem qual o seu contributo para a sociedade, digno de registo); os escândalos da coroa britânica; e futebol. E, correndo o risco de imitar os telejornais, destaco o futebol! Também aqui lhe dou o tempo de antena que não se gasta com os as referências positivas, passadas quase em rodapé. Podia ficar aqui a enunciar um rol infindável, mas depois não tinha oportunidade d escrever acerca da nova namorada do Cristiano Ronaldo e a questionar-me se trocou de roupa interior. E se a Lucy afinal namora com ele ou não. E dos milhares de euros que os jogadores ganham, face aos míseros tostões amealhados numa vida, contados para pagar as contas. Marx esqueceu-se de acrescentar o futebol à sua lista de opiáceos.
Bom, estou a ser injusto. Também se fala dos pobrezinhos. Aliás, devassa-se a história dos pobrezinhos. Estava a ser injusto. A quantidade de vezes que limpei as lágrimas com as Tardes de uma e com a Praça de outros, a assistir à vida dos coitados que se não fosse a benévola televisão ainda estavam na rua da amargura.
Tudo assente numa lógica de audiência, medida em “share”, “rattings” e outras designações semelhantes que se traduzem apenas em: dinheiro e poder. Como na Roma Imperial.
Na Bela Vista, aconteceu o mesmo. Gladiadores, sangue. Circo. Circo em directo, acompanhado por jornalistas que corriam esgazeados avenida acima, avenida abaixo, sempre sguidos por ofegantes operadores de câmera que já reviravam os olhos de saturação. Tudo por um furo. Tudo por mais um apontamento que nem digmo de registo seria, mas nunca se sabe.
Pessoas que com eles mantêm uma relação de Amor/Ódio. Querem-nos lá e querem-nos fora de lá. Como um abutre que até dá jeito para comer as carcassas dos animais mortos, mas por quem não sentimos simpatia e afugentamos depois.
Mas apesar de tudo, são o seu passaporte para uns segundos de notoriedade, porque apareceram a espreitar na caixa.
É o “quid pro quo” que se estabelece. Dou-te essa hipótese e tu dás-me um “furo” e uma entrevista.
E custou-me ver jornalistas em directo. Ao vivo e a cores. Custou-me porque em tempos quis ser um deles. E agora, aquela imagem, ali, afigurou-se-me patética. Desporpocionada. E mais desiludido fiquei quando li, e vi as reportagens.
E mais desiludido fiquei por o único jornalista que se deslocou ao bairro azul durante a acção de limpeza que estava a decorrer, envolvendo crianças, moradores, não tivesse tido a mínima curiosidade jornalística de tentar perceber o que era. Isso sim, sertia um “furo”. Paredes meias com o aparato, a referência positiva num bairro sobre a luz da ribalta. Mas não interessava. Não estava sobre a luz das labaredas dos contetores e carros incendiados e dos cocktails Molotov. Talvez se devesse ter incendiado o lixo.
Afinal, os “bons da fita” não têm destaque.
E o “furo” jornalístico na caixa que mudo o Mundo apenas serve para nos direccionar o olhar para onde convém. Mas não passa de um “furo na caixa”, que não chega a ser uma janela sobre o horizonte.
Mas eu sou um lírico. Apaixonado pela máquina de escrever, pelo cigarro ao canto da boca enquanto transcrevia do bloco as notas de estenografia. O cartão onde se podia ler “Press”.
Quis ser jornalista, quando era pequeno. Acreditava que sê-lo implicava ter em si a curiosidade do Mundo e de tudo fazer para a satisfazer de forma isenta e empenhada. Uma espécie de paladino que de tudo faria para apurar factos e trazê-los, tal e qual eram. Talvez ainda aconteça. E lamento que muitos jornalísticas, tão líricos quanto eu, se seintam frustrados por não o poderem ser. Obrigados a ser gladiadores, sujeitos ao Circo Mediático. A esses, fica o meu pesar.

Isa disse...

Não me deixa de impressionar como em Democracia, os ânimos se exaltam tanto, quando a comunicação social mete o nariz. É um poder, sem dúvida. Até lhe chamam o 4.º poder. ‘Gosta’ de escândalos é verdade, de grandes manchetes, alguns especializam-se em notícias sensacionalistas (os tablóides ingleses são peritos nesse jornalismo agressivo). Querem ‘sangue’, ‘contentores a arder’, motins, conflitos…para explorar, infelizmente, até à exaustão dos espectadores e leitores.
Mas muitos conflitos seriam esquecidos e histórias nojentas como as da Casa Pia ficariam ‘escondidas’ e silenciadas por todos os pactuaram com o impensável, se não fosse a comunicação social.
Podem dizer…’mas esses são os bons jornalistas’. Mas depois de uma grande jornalista ter feito jornalismo de investigação (difícil de executar em Portugal porque é caro e os tempos são de penúria)…muitos outros jornalistas, bons e menos bons, pegaram e vasculharam, contaram a história aos seus leitores, aos seus ouvintes e espectadores. Calculo que isso tenha incomodado muito e mais muitas vezes os dedos apontaram-se acusadores para a comunicação social. O problema não é o horror da história que se conta, mas os erros da abordagem jornalística.
É verdade que o circo mediático, nestes tempos de Internet, jornalismo do cidadão, de informação ao segundo, canais de noticias a ‘informar’ 24 horas por dia, sete dias por semana, num país tão pequeno como Portugal, trouxe um jornalismo mais agressivo, histórias contadas vezes sem fim.
Sem dúvida que às vezes as regras deontológicas são atropeladas e quase todos já assistimos a essa grande pergunta em directo a um desgraçado que vê a casa a arder nos inevitáveis incêndios de Verão – “Como é que se sente?”.
Ocupam-se directos sem história, vazios de informação útil…é verdade. Tudo isso é verdade.
Mas também é verdade que vivemos em Democracia e temos o direito, e o poder, para escolher. Podemos escolher o canal que queremos ver, desligar um jornal televisivo com uma abordagem idiota ou sensacionalista, ou optar por uma revista ‘séria’ ou um jornal bem feito. Porque os há por cá também. A Visão fez um artigo bem feito, na minha óptica, mostrando pessoas do bairro, sem esquecer o facto (e factos é aquilo que um jornalista deve relatar) que se incendiaram contentores e carcaças de carros.
Escolhemos músicas, grupos, filmes, destinos e como tudo o resto é também necessário escolher o que queremos ler.
Mas o problema na Bela Vista, e outros bairros sociais, não é definitivamente do circo mediático que ‘aterrou’ por uns dias nas ruas do bairro. E isso, acho que todos os técnicos que lá trabalham, sabem.
Perdoem-me, mas prefiro, uma comunicação social a ‘meter o nariz’ onde não é chamada e a incomodar, do que o silêncio politicamente correcto, histórias abafadas (que as há aos milhares) por uma comunicação social domesticada.
Creio que em outros tempos, não saberíamos do protesto da Bela Vista (nem sei se haveria protesto), nem do Toninho (creio que era o nome) tinha sido morto num assalto no Algarve. Será que seria assim tão bom, para o bairro e para nós, não haver circo mediático?