sábado, 22 de maio de 2010

Zonas Expectantes

Estive numa daquelas reuniões onde nos sentimos deslocados. Onde todas as pessoas parecem entender o que se diz, expressando-se de forma eloquente e demorada, comunicando assertivamente para a assistência, que acena em concordância.Senti-me deslocada. Peixe fora d'água.
Peixinho num grande lago, uma frase aprendida na faculdade: "It´s better to be a big fish in a little pond, than a little fish in a big pond". Dita vezes sem conta por um catedrático por desígnio divino, padre por desígnio terreno, com sotaque das Beiras, que nos aterrorizava com perguntas moralistas nas aulas e questões filosóficas nos exames. Um grande peixe. Um pequeno peixe. Alternamos entre os dois estados na vida. E poderia ser de outra forma?
Estive numa reunião onde se falou, e muito, sobre "zonas expectantes". É como me sinto, às vezes: uma zona expectante. Expectante do que esperam de mim. Expectante do que consigo dar. Respondo certo à pergunta certa. Ou respondo errado. Outras vezes, respondo certo à pergunta errada. E poderia ser de outra forma?
Não aprendo Flamenco desde Dezembro (porque não vou às aulas). Sinto falta das aulas da Rita. E o que eu aprendi no pouco tempo que lá estive... Os cds de coisas novas amontoam-se na estante e eu não os ouço. Cortei duas vezes o cabelo, sentindo sempre que atraiçoava o meu duende enquanto o fazia. Não sei se sei a coreografia do Caminito. Faltam-me a Isa e a Mafalda cá em casa para ensaiar. Consigo imaginar coreografias flamencas para músicas que muitas vezes nem flamencas são. Mas ficam ali... Expectantes...
Não vou a encontros do ICE. Não sei se existem novos projectos para as comunidades ciganas. Não leio teses de Mestrado, nem RVCCs, nem pós-graduações. A Myrna só não terá desistido de mim, porque não é pessoa de desistências. Não me apetece escrever. Alinhavo histórias em cima de histórias. Escrevo o seu início, sei o seu fim. Mas ficam ali... Linhas começadas, parágrafos incompletos. Expectantes...
Sinto falta da Sónia. Das músicas que me deu a conhecer. Do seu sentir, do seu conceito de improviso, que fiz dele um lema de vida. Ensaiar, ensaiar e depois... É o que sair! E a coragem para vivermos o que o coração nos diz para viver. Ela, que estará numa fase diferente da sua vida, com os olhos no futuro. Expectante...
Suspendem-se os projectos. Vou ali, já não vou. Não tenho tempo. O que é o tempo? Os minutos contados, no compás de quem respira o ar que o momento permite. Remete-se para depois o que agora não tem resposta possível. E poderá ser de outra forma?
Aprendo sobre ciganos todos os dias. Estou nas escolas, nos bairros. E as pessoas ciganas lá estão, todos os dias. As que conheci crianças, casam e têm filhos. E a ligação nunca se perde, quando o afecto foi sentido. Faço parte de um Projecto, pequeno para quem o financia, mas grande para mim, que é o dos Mediadores Municipais Ciganos. E orgulho-me todos os dias por trabalhar, lado a lado, com um cigano. E fico expectante das novas experiências...
Um pequeno peixe. Um grande peixe. Nas águas revoltas destes tempos, alterno entre os dois estados. No acalmar das águas apercebo-me do que vou aprendendo. Apercebo-me da presença, por ora sossegada, do duende. Estará cá e não se compadece com o tempo que nos pedem. Nem com as expectativas. Está cá e permanece, a aprender, para se manifestar. Expectante, porque tudo tem o seu tempo. E poderia ser de outra forma?

2 comentários:

Myrna Montenegro disse...

Até que enfim...! O quanto eu expectei por ler novamente Lapayita...! E as Saudades que tenho dela não apenas nas aulas de flamenco mas também nas reuniões do ICE...! E só me lembro de MOMO, do qual apenas deixo um trecho sobre o TEMPO e que mando por email à Lapayita alguns trechos que achei mais importantes naquele livro, e que recomendo a leitura a todos quantos lutam contra os "homens cinzentos"...!
«Há um grande segredo, que apesar de tudo é diário. Todas as pessoas participam dele, todos os conhecem, mas poucos reflectem sobre ele. A maior parte limita-se a aceitá-lo sem o questionar. Esse segredo é o tempo. Há calendários e relógios para o medir, mas pouco significado têm, pois todos sabem que uma única hora pode parecer uma eternidade ou então passar como um instante - consoante aquilo que se vive nela. Porque o tempo é a vida. E a vida mora no coração.»[...]
ENDE, Michael (1994), Momo, Lisboa: Editorial Presença
Quem ama não esquece... Quem ama espera... Quem ama compreende...

catizzz disse...

Já nem lembro da última vez que tinha clicado www.blogspot....
Há uns minutos atrás pensei vir espreitar quem andava a contar coisas novas.
É sempre um alívio percebermos que aquilo que achamos que só nós sentimos (qual bicho raro, E.T., etc...)é sentimento de todos os que sentem.
Muchas Gracias