domingo, 7 de junho de 2009

Um Palavrão com Pernas

Os estereótipos existem. E os preconceitos que construímos à volta deles também. Será a ideia subjacente neste Caderno de Histórias e combatê-los, o sentido da sua existência. O que vou penar hoje é sobre isto mesmo. Mas desta vez não é sobre ciganos. Porque o preconceito existe nas mais pequeninas coisas da vida....



Quando a conheci o instantâneo fotográfico aconteceu na minha cabeça: uma queque da Linha, mais preocupada com a maquilhagem e com os adereços para os espectáculos, do que com os diferentes sentidos de termos aulas de sevilhanas com uma Professora Cigana. Não podia estar mais enganada... Em comum tínhamos o prazer da dança, a curiosidade pelo flamenco e a condição de náufragas dessa coisa complexa que tem o nome pomposo de conciliação da vida familiar, profissional e artística. Foi o que nos bastou.


Define-se como “vaidosa, mas com um toque de forreta, herança do papá, juntamente com o cabelo liso, o nariz romano e um certo mau feitio”. A consciência crítica que tem sobre ela própria e sobre os outros tem-me proporcionado momentos de gargalhada solta nas conversas com ela. A caricaturar com perfeição pessoas e situações, a ironia a espreitar na dose certa. Oportuna. Certeira. Q.B.


Vaidosa… A única a fazer um coro de protestos com a Professora para investirmos no guarda-roupa, a engendrar mil e um planos para irmos às compras a Sevilha. Forreta… A estudar o mercado para comprarmos o que sobrou de um qualquer cenário do Carlos Saura com o parco pé-de-meia que temos. Vaidosa… A fazer périplos pelo Martim Moniz até encontrar os “castiçais” perfeitos para o modelito utilizado nos espectáculos. Forreta… A vasculhar os baús das velharias próprias e alheias até encontrar o presente de Natal perfeito, a encarnar a Mãe Natal.


Um certo mau feitio... A chocar com o meu, declarado e assumido, inteiro. A ultrapassarmos as diferenças em viagens cúmplices de carro até aos tablaos mais improváveis desta nossa vida artística. A conversarmos. A construirmos pontes de comunicação. As diferenças a caírem…


É “cusca encartada” de profissão. Pergunta tudo e não sossega até obter as respostas. É comunicativa. Fala pelos cotovelos e outras articulações do corpo humano, mas nos momentos difíceis é de uma discrição singular e não desperdiça palavras. (É quando nos apercebemos que domina a arte de falar e ouvir ao mesmo tempo!)



É criativa e dá novos sentidos ao léxico do Flamenco. As Araquerar a ela devem o “kamasutra das sevilhanas”, conceito que designa dançarmos as quatros partes que compõem uma sevilhana de formas diferentes, variando o estilo. Hoje basta ouvirmos a expressão e já sabemos: primeira a pares, segunda de frente, terceira pares, quarta em roda.


Porque o preconceito existe nas mais pequeninas coisas da vida, quando a conheci imaginei-a uma “queque da Linha”. Hoje sei que “chique são os muffins”. De chocolate, com pepitas de chocolate, deliciosos! Uma Muffin. Um Palavrão com Pernas. Porquê? Isso só ela o poderá explicar. Mas uma coisa garanto… Conheço-a há quase três anos e nunca a ouvi dizer um único impropério! ‘Tá?




(Esta história é para a Isa, uma Mulher que nunca recusa um desafio e consegue estar em todo o lado, quase por artes mágicas. Um Olé com Duende! Mucha Mierda! Arza!!!)

Edição Fotográfica: Fantasma del Tablao. Gracías!

2 comentários:

myrna disse...

Esta Payita não deixa de me surpreender. Este post é isso mesmo. Uma surpresa. Tens mesmo um jeito incrível para descrever e escrever o que captas no ar, na essência da "coisa" fluída que é o ser humano. Não escreves (ainda) poesia, mas sim prosa poética: humana, viva, cheirosa, dançante, terna, profunda e leve,densa e movediça, forte e constante, cativante e misteriosa, enfim... Se alguma vez fores despedida, sempre tens saída como contadora de estórias... Quanto à Isa, pois ela também me surpreendeu... Apesar de "queque-Muffin", o facto dela ter levado, desde o início, o filho a assistir às aulas, conseguindo conciliar o prazer de ser mulher com o prazer de ser mãe, sempre me fez desconfiar que seria uma "queque" muito especial...de se lhe tirar o chapéu... e quando foi à festa do Avante bailar, aí, fiquei mesmo rendida! Grande mulher! Já nada me espanta nela... Para ela, os desafios são oportunidades de aprendizagens únicas que ela abraça de alma e coração, com salero e sentido de humor sempre apurado. Um Olé com muito jaleo para ela.

Hugo disse...

Conheci a Isa ao som de outras músicas e, pela minha parte, não me posso queixar de ela ser queque ou muffin ou outra iguaria tal, mas lá doce é!
Não sei se dança, mas sei que dança. De ouvir e ver só dançou com a música das palavras, escritas ou faladas, em contexto profissional ou de modo mais informal, mas sempre um regalo que dá corpo à expressão que liga as conversas às cerejas...
Tia Isa ou camarada Isa tanto me faz, porque as sete notas musicais estão lá e se há música há dança!