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No avesso do cenário...
«Os ciganos não são mais europeus do que americanos ou índios. Os ciganos estão na Sibéria como na China. Estão sempre no avesso do cenário. Eles são a “escória” das sociedades dominantes, seja qual for a dominação. Onde estiver o cigano há dominação. Os ciganos são um revelador das desigualdades, das exclusões. E são mal conhecidos.
Atribuem-lhes hoje, como ontem, virtudes e vícios extraordinários. Lisonjeiam-lhes a estranheza para melhor os ignorarem e a sua selvajaria para melhor os disciplinar. A sua vulnerabilidade para melhor os explorar, a sua fragilidade para os enfraquecer ainda mais. Os jacobinos perguntam se eles têm alma e os padres se eles têm religião. Os revolucionários perguntam se eles são politicamente correctos, os democráticos, se eles são despóticos, as feministas se as mulheres deles são maltratadas; os historiadores se têm história; os musicólogos se eles têm música; os higienistas se eles se lavam. Poucos povos entram no comércio com tantas negações. O seu holocausto é negado tanto pelos estados nacional-populistas como Vichy, como pela Alemanha pós-nazi. Os racistas duvidam que eles sejam uma verdadeira raça, os letrados que eles sejam capazes de escrever poesia. Os revisionistas rejubilam porque os ciganos partilham com os judeus o privilégio do crime contra a humanidade. Mas a humanidade deles ainda não entrou no reconhecimento colectivo. (…) Os Roms, hoje como ontem, mostram-nos o estado do mundo que nós não vemos com os nossos olhos. Um mundo que os encurrala nos subúrbios das cidades. (…) Mais do que Nómada (que eles já não são em parte nenhuma do mundo – pois avaliam-se em 5% os que escaparam, eles têm um pensamento nómada. (…) A sua cultura e a sua civilização não têm pretensões guerreiras nem burocráticas. Eles não totalizam nem os outros nem o mundo. Eles aparecem-nos por segmentos. Um grupo cigano aqui; outro grupo cigano ali. Não se consegue globalizá-los, estruturar firmemente as constantes. Dizem-nos que são diversos, plurais; cada um, um microcosmos.»Claire Auzias - Os Ciganos ou O destino selvagem dos Roms do Leste (2001)
1 comentário:
Em Maio deste ano fui entrevistada por um Prof. Dr. em Sociologia, que queria estudar a Sociologia da Instabilidade e ficou curioso em saber qual o modo como o Povo Cigano vivia psicologicamente a sua vida de errância e de mobilidade, associando-o a uma vida de improviso constante...Falei com ele, umas largas horas, e expliquei-lhe as diversas razões que estão por trás de um estar psicológico da vida de improviso que caracteriza o Povo Cigano, e verificámos que, em tempos de globalização e flexibilização, o Povo Cigano, consegue ser o povo europeu que mais adaptado está, psicologicamente, àquilo que agora se exige do cidadão europeu...
E sobre esse assunto encontrei estes conceitos:
Surfar a mudança: fluir no seu dorso, decidir no contexto do momento, das necessidades e dos desejos mais imediatos e aspirar aos seus ganhos também mais imediatos. Trata-se de uma táctica sem estratégia, importando sobretudo o vencer de batalhas, dada a mais-que-humana dimensão da guerra (da sobrevivência).
Pilotar a mudança: assumir um conjunto amplo, difuso, de metas organizacionais e/ou objectivos pessoais a médio-longo prazo, deixando à decisão as escolhas tácticas. Estas podem assumir vias estrategicamente directas ou mais ou menos indirectas de consecução das metas, objectivos e valores. Por vezes, até, determinadas decisões poderão parecer ir no sentido contrário ao do que aqueles poderiam fazer esperar.
Gerir a mudança: Implica a assunção de um topos de decisão mais reflexivo ainda do que o anterior, dado que neste caso, através da decisão, articulando criticamente saberes e praxis, a assunção de um conjunto de metas organizacionais e/ou objectivos pessoais e valores assume a agência como central.
Em relação à pilotagem, a gestão da mudança distingue-se pelo predomínio das estratégias sobre as tácticas, do conteúdo sobre a forma e da predominância da reflexividade dos actores sobre a sua determinação estrutural.
Fácil será de perceber que o Povo Cigano tem demonstrado saber surfar a mudança, conseguindo resistir, há largos séculos, às adversidades constantes sofridas pelas “margens que violentam a força das águas do rio”, adquirindo um modo de estar e ser psicológico, em muito invejável…
Nós, os povos monocronos, já queremos saber gerir as mudanças, e ainda não aprendermos a surfar nelas….!
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