domingo, 28 de setembro de 2008

Era uma vez...



"Tu devias contar essas histórias... Porque não fazes um blog?", dizia-me a Myrna depois de lhe ter contado a última aventura das Araquerar.

Essas histórias... Ela falava de dez anos de trabalho com a comunidade cigana, uma década de aprendizagens, cumplicidades, pequenas vitórias, algumas tristezas... De entregas, nem sempre muito bem compreendidas. Mas haverá outra maneira de conhecer o Outro, diferente de Nós?

Um caminho que se foi cruzando, aqui e ali, com o Flamenco. E há dois anos atrás, comecei a bater os pés neste outro caminho, o da dança. De tal forma me aconteceu, que hoje não sei onde começa um e acaba o outro. Assim é, o caminho da vida. Pachadrom...

Rejeitei a sugestão do blog de imediato, é claro! E os riscos? Mas a sementinha estava lá, a ideia germinou e tomou balanço. E no mesmo dia em que comprei um caderno para apontar ideias, porque como sabe quem me conhece, a primeira escrita é de papel e lápis, recebi pelo correio um Livro Branco, cuidadosamente decorado com imagens de bailaoras flamencas.

Interpretei o acontecimento como um sinal para seguir em frente. Defini regras na minha cabeça. Pesei prós e contras...

Ao longo destes anos tenho conhecido e convivido com ciganos, que moram em bairros sociais. E o que tenho observado, naquilo que os define enquanto Cultura, é terem em comum a pobreza e a exclusão social e cultural. E é com esses elementos que os caracterizamos, descaracterizando-os, alimentando estereótipos e preconceitos. Ou então, pegamos nas mesmas características e filtramos a expressão folclórica desta comunidade, pela música, pela festa, pelos usos e costumes, mais uma vez, alimentando preconceitos, estereótipos e voyeurismo.

Tenho também conhecido e convivido com ciganos, alguns vivendo em bairros sociais, que estudaram, têm uma profissão socialmente valorizada, descontam para os impostos, votam. Aparentemente incluídos. "Nem parecem ciganos!", ouço dizer muitas vezes. Mas são. Nem mais, nem menos, que os primeiros.

No fim de tudo, estamos a falar de Pessoas. Com mais de cinco séculos de História, difícil e sofrida. Com tradições, organização familiar, crenças, expectativas sobre a vida, estratégias de sobrevivência social, próprias e particulares. Como Nós. Pessoas.

Aprender a dançar Flamenco, com uma professora cigana, aproximou-me desta comunidade com a qual eu já me sentia em proximidade. Mas ganhei um novo estatuto. E assim, porque estou disponível para conhecê-los, eles estão disponíveis para se deixarem conhecer. E nesta troca, há mudanças, de uns e outros. E aumentamos...

Foi neste espírito de partilhar a ideia de que todos mudamos e crescemos, quando estamos disponíveis para conhecer o Outro, e de contar a forma como a mim me aconteceu, que avancei, segura de que não estou sozinha. Neste caminho nómada tenho encontrado Payos e Payas, com quem aprendi muito e com quem vivi estas experiências. Alguns serão "contados" nestas histórias. E outros haverá que não conheço. Ainda...

E assim foi... No dia 28 de Agosto, na praia, debaixo do chapéu de sol, coloquei o Livro Branco em cima da geleira, pedi emprestadas a lapiseira e a borracha, e na melhor das companhias nascia este "caderno de histórias". E se não servir para mais nada que desempoeirar os dossiers do Nómada, já terá servido para alguma coisa!

Contar histórias...

... "Porque mesmo que montes o cavalo ao contrário, ele continua a andar para a frente." (Provérbio Cigano)


1 comentário:

Anónimo disse...

amei... alias sentimento e emoção com uma subtileza racional que impressiona...foi assim que sempre te vi e fiquei "cativada" pela tua lucidez, assertividade e ao mesmo tempo paixão pela vida e pelo outro...seja qual for a sua aparência...mas sobretudo pelo seu recheio...
Myrna