Faz hoje precisamente dois anos que tive a minha primeira aula de sevilhanas. A Professora, cigana, já a conhecia de outros caminhos. Estar ali naquele dia não era uma coincidência.
Fui de ténis e saia indiana que a Nhonhinhas Maya me emprestou (e, lembrei-me agora, ainda não devolvi). A Professora disse-me que com ténis era impossível aprender flamenco. Respondi-lhe que impossível era eu andar de saltos altos, quanto mais bailar! Olhou para mim com uma expressão, que hoje conheço bem, que queria dizer "É dar-lhe tempo!"... Na terceira aula lá estava eu de sapatos de baile flamenco, pretos, com elástico, de camurça, com pregos. E saltos...
Fui experimentar. Já gostava da música e o trabalho com a comunidade cigana tinha-me deixado curiosa. Há pouco tempo uma jornalista perguntava o que me tinha levado para aquelas aulas e eu respondi: "A inveja!". Estava a ser sincera...
Éramos no início um grupo de cerca de dez mulheres, idades diversas, profissões diferentes, percursos de vida distintos. Aquele era o nosso espaço pessoal. Um hobby. Arejar a cabeça...
Ao longo do tempo, estabeleceram-se afinidades, trocaram-se confidências, criaram-se laços, para lá do espaço das aulas. Levámos os filhos connosco e adaptámos o conceito: falamos de conciliação da vida familiar, profissional e artística.
Começámos a participar em espectáculos. No início, timidamente. Pela frequência dos mesmos, mas sobretudo pelo nervosinho no estômago antes de pisar o tablao. Hoje dizemos, meio a sério, meio a brincar, que já não temos aulas. Temos ensaios. E que passamos metade do ano em tournée. Aparecemos nos jornais, na televisão.
A partir do terceiro ou quarto espectáculo, a questão impôs-se. O nome do grupo? A Professora sugeriu "Las Araquerar", que significa "conversar" e se lê "ariquerare", uma dor de cabeça para quem tem de nos apresentar. Gostámos. Ficou. Mais tarde, fiquei a saber que a palavra terá menos o sentido de conversar, que o de falar... Pelos cotovelos! Assenta-nos. Às vezes, nas aulas, falamos mais do que bailamos!
Criámos uma identidade. Da relação professora-alunas, saltámos para uma dinâmica onde cada uma tem o seu papel. O alinhamento das músicas é negociado. As tarefas dividem-se na gestão da logística complexa dos espectáculos. Quem grava o CD? Quem leva os xailes? Quem tem o desmaquilhante?
Agora que releio o que escrevi, parece pretensioso, como se eu nos considerasse preparadas para bailar com o Joaquín Cortés. Bem... Agora que falo nisso... Porque não? Guapíssimas!!! ;)
Não, não é isso... Penso que nenhuma de nós terá imaginado que o resultado fosse este, naquele primeiro dia. Mas foi acontecendo. Temos uma professora cigana, que ensina payitas. E cada uma de nós terá, à sua maneira, consciência do impacto social deste facto. E pessoal (mas isto ficará para outra história).
O Diálogo Intercultural, que a União Europeia tanto se esforça por promover (será?), está ali. No partilhar de pedaços de vida, no escutar o que cada uma tem para dizer, no negociar o que queremos daquele espaço, no respeitar a essência de cada uma, no conversar... Araquerar!
O nervosinho no estômago? Esse mantém-se... Mucha mierda para nosotras!!!