sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Castanholas


Nas suas diferentes estratégias de aproximação às famílias, a professora da minha filha desafiou-nos, numa reunião de pais, a partilhar saberes e experiências na sala de aulas.

Entusiasmada, corri para casa disposta a transformar as minhas parcas competências de animação em truques de magia capazes de deslumbrar uma turma de 23 petizes desassossegados de 7 e 8 anos, e inchar de orgulho a minha filha, lacorilha exigente, que deitou de imediato por terra as minhas aspirações megalómanas. Contar uma história? Isso toda a gente sabe! Bailar sevilhanas? Isso é para gente grande, os miúdos não acham piada. O melhor mesmo era fazer umas bolachas ou Pais Natal com rolos de papel higiénico... Derrotada no primeiro caso pela impossibilidade de cozinhar numa sala de aulas e, no segundo, pela comprovadíssima inabilidade para os trabalhos manuais, voltei à minha vidinha como ela é, informando a professora que não poderia participar.

Eis senão quando, por alturas do Natal e a propósito de uns embrulhos diferentes que exigiram criatividade para os laços, (re)descobri que sabia fazer castanholas com cartolinas e caricas. Apresentei a proposta à entidade reguladora - a minha filha- e... Foi aceite!!!

Assim, no dia combinado, de mochila às costas e caixote de trabalhos manuais nos braços, entrei na sala de aulas para dinamizar a minha proposta: Flamenco. Fui recebida por uma turma de gente miúda, curiosa e sorridente, e uma filha inchada de importância porque tinhamos preparado aquilo com cuidado e ela iria co-adjuvar-me.

Depois das apresentações, a explicação do que é o Flamenco. A palavra escrita a giz no quadro preto, mais pequeno do que o das minhas memórias da infância, em oposição a Flamengo. A pequena letra a fazer a diferença entre um queijo e uma região da Europa e a Música. A explicação, com recurso a um mapa do mundo de pequenas dimensões, do percurso histórico do Povo Cigano e do Flamenco. O mapa tão pequeno que, com os nervos, não descobri a Índia e ficou para trabalho de casa! A explicação do meu trabalho com crianças ciganas e as aulas de dança com uma professora cigana.

O olhar atento e sossegado. À menção da palavra "cigano", não houve uma expressão, um pestanejar de olhos, uma observação. Apenas o mesmo olhar atento e sossegado. Têm 7 e 8 anos, os preconceitos aparecem mais tarde, na vida.

Da minha mochila começo a desvendar os tesouros um a um: o vestido às bolas, os sapatos com pregos e sem pregos (experimentamos a diferença do som no chão da sala), as flores para o cabelo, os xailes, os leques, as castanholas, as argolas... A turma experimenta tudo e diverte-se. Instala-se o rebuliço na sala. Alegria...

Ponho um cd dos Gipsy Kings a tocar e começamos a fazer castanholas. A minha filha desdobra-se na ajuda aos colegas. Levou o papel tão a sério que nem tempo teve para fazer o leque de papel, enquanto esperávamos que a laca fixasse o pó de giz na cartolina preta. O momento mais complexo, ao contrário do que eu e a professora esperávamos, não foi colar as caricas uma a uma, mas sim fazer o laço à medida do dedo médio. Um menino disse-me baixinho que "essa parte não fazia" porque a "mãe não o deixava fazer o dedo do meio"... Depois de explicadas as diferenças, lá prosseguiu.

Castanholas feitas e o rebuliço volta a instalar-se. Impossível falar e ouvir. O único som que se ouve na sala é o de 23 castanholas a bater. Aproveito para explicar os palos e o significado de compás. Experimentamos uma bulería. Eu bato palmas e eles as castanholas. A seguir, experimentamos o compasso ternário das sevilhanas. Alegria...

No final, a avaliação. Gostaram muito. Querem que volte, desta vez para ensinar a bailar. Meninos e meninas, curiosos e sorridentes. A minha filha inchada de orgulho. Eu inchada de importância. Alegria...

Já tinha saudades destas andanças. E destas escritas.